Sessão de Comunicação 1

11 nov 2019
15:30-17:30
Auditório G2, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro - Cidade Universitária

Sessão de Comunicação 1

1. A Escola Indígena como Protagonista: A experiência dos Kotiria no noroeste amazônico
José Galvez Trindade (Escola Indígena Kumuno Wʉ’ʉ Kotiria), Kristine Stenzel (UFRJ, Programa de Pós-Graduação em Linguística)

Em Janeiro de 2019, inaugurando o Ano Internacional das Línguas Indígenas, a Associação da Escola Indígena Kumuno Wʉ’ʉ Kotiria (ASEKK) recebeu o prêmio de Excelência em Linguística Comunitária da Sociedade Linguística Americana (LSA) em reconhecimento de quase vinte anos de dedicação ao fortalecimento e manutenção da língua e cultura Kotiria. A Escola Indígena Kotiria se formou no ano 2002 durante a primeira Oficina Linguística, realizada com apoio do Projeto de Educação do Instituto Socioambiental (ISA). O objetivo dos professores que tomaram frente desta iniciativa era de transformar a então escola rural de 1ª a 4ª série na comunidade de Caruru Cachoeira (Alto rio Uaupés, TI Alto Rio Negro, AM) em uma escola diferenciada, expandindo seu alcance ao segundo ciclo de educação fundamental (8ª série na época). Entre os objetivos desta nova escola, destacavam-se o desejo de permanência das crianças com suas famílias e em suas comunidades de origem, o desenvolvimento de calendário e currículo específicos respeitando os conhecimentos e cultura Kotiria, e a valorização e reforço do uso da língua Kotiria no âmbito escolar. Iniciou-se um trabalho colaborativo de estudo e documentação da língua visando o desenvolvimento de ferramentas e materiais de apoio, incluindo uma ortografia prática, dicionário multimídia, gramática pedagógica, livros didáticos de vários tipos, e acervos de registros documentais audiovisuais.
Em 2007 a escola cresceu mais ainda com a inclusão do ensino médio, que até este ano formou cerca de 100 alunos. Junto à expansão ao ensino médio, a escola se tornou parceiro em dois grandes projetos de documentação linguística, o primeiro com apoio do Programa de Documentação de Línguas Ameaçadas (ELDP, Universidade de Londres, 2007-2011) e o segundo do Programa de Documentação de Línguas da Fundação Nacional da Ciência dos EUA (NSF-DEL, 2017-2020). As atividades destes projetos foram integradas ao currículo e calendário escolar, com professores e alunos formando as equipes de pesquisa e realização. Os temas para documentação e as etapas de realização são discutidos, planejados e executados de forma colaborativa pela comunidade escolar, membros das equipes e parceiros, sempre visando retorno ao povo Kotiria, valorizando sua língua e cultura. Ao longo dos anos, além dos trabalhos linguísticos, a Escola Kotiria também desenvolveu parcerias com outros pesquisadores e instituições, realizando projetos de registro preservação de seu patrimônio e identidade cultural.
José Galvez Trindade, professor e ex-diretor da Escola Kotiria, e a linguista Kristine Stenzel compartilharão a história da escola e dos esforços realizados. A apresentação tratará dos desafios e conquistas ao longo dos anos bem como questões e caminhos futuros. Por fim, discutirá o “sucesso” desses trabalhos de duas décadas, que não se mede apenas em produtos tangíveis, mas também na formação de uma geração fortalecida e orgulhosa de sua identidade étnica, ciente de seus direitos e atuante na defesa destes e na construção de um país que valoriza sua diversidade.

2. A retomada da língua Kiriri no contexto da luta pela terra e da conquista da educação específica e diferenciada para nossas escolas
Jozilene Andrade de Souza, Marlinda de Jesus Andrade

O presente artigo tem o objetivo fazer uma análise sobre a “retomada” da língua kiriri como componente do movimento de afirmação da identidade étnica, da luta pela terra, é avaliado também a importâncias da introdução da língua indígena na educação escolar, transmitindo aos estudantes indígenas o seu valor simbólico, político e histórico, considerando questões como a riqueza que a cultura indígena oferece enquanto referencial para pesquisas e a realização de atividades pedagógicas; no que diz respeito a história kiriri, é dado um destaque especial a diversas situações vivenciadas pelo nosso povo a partir do final do século XVII, quando se intensificaram os conflitos com os não índios, o que levou a diminuição populacional indígenas e uma repressão a fala da língua kiriri. E destacada ainda a participação do nosso povo na violenta guerra de canudos, que se constituiu em um dos fatores que contribuiu para que a língua kirirideixasse de ser falada pelo nosso povo, com as gerações que foram se seguindo, passando a ter mais interesse em aprender o português do que a língua dos seus pais e avós. O artigo baseia-se em autores indígenas e não indígenas brasileiros, levantando conceitos sobre o assunto aqui abordado, e é de caráter qualitativo, com revisão bibliográfica e pesquisa – ação.

KUNTARI SÁ KWAIRANTU:
Kwá yané muraki ser waá “ Mayé asui mamé yapuderi waá yamukaturu, yamabaka, asui yankuntari Nheengatu” ti ré yambawa aé piterara rupi ayiku. Kariwa ta seruka kwá muraki “ dicionário”. Kwá yané muraki irumu yaputari yamukaturu, ymabaka nheengatu nheenga, kunarti sá rupi asuí yampinima sá rupi, ti arama upáwa. Uyí aikwé 6000 miraita usendua waita Nheegantu, má muíri akayú usasá siia piri yamaã uxari waita uiku ukuntari nheengatu. Yakuntari arama sesé wara, yasú kuri yayuripru yambeú nheenga ta resewara iké brasil upé, asui kuri yasu yambeu mayeta nheegatnu uiku paraná pixuna upé. Asui kurí yasu yambeu mayeta yamanduari, asui yaminhã yamabaka, yamkuturu, yakuntari neengaita. Mayé ta yaminhã kariwa ta umundu yaminhã “dicionário”. Kwá muraki ayupiru waá yaiku aé amurupité kuri mayé kariwa ta manduia sui. Iké asú yaminhã mayé yané ramunha ambira ta , yané payetá tambué waã yandé Kariamá upé, mayé kunhã t supe supé yuíri, mayé ta yapuderi ymainhã yamukaturu arama yané nheengaitá. Tia akwá sá kuri ta su ta sendu yandé arama.

3. Língua de origem: símbolo de resistência do ethos Terena
Lindomar Lili

Podemos afirmar o desuso de línguas de origem, ou, a língua materna em diversos povos originários nesse país (Brasil), decorre de ação e perpetua como herança colonial. Entre a população Terena do estado de Mato Grosso do Sul, o desuso da língua está atrelado ao período de maior contato com a dita civilização branca, eurocêntrica e etnocêntrica em que esse povo foi submetido em seus próprios territórios. O pós-guerra da tríplice Aliança (1864 – 1870) foi um divisor de águas na vida desse povo, seja ela em sua cultura, seja em seus territórios estendendo-se para o período da atuação do SPI – Serviço de Proteção ao Índio, considerado um órgão fracassado, torturador, opressor, e etnocída das populações indígenas. O trabalho de revitalização, alfabetização e prática cotidiana do falar Terena, tornou-se nos últimos anos elemento de afirmação de identidade étnica. Por muitos tempos a língua Terena tanto quanto outras línguas consideradas inferiores, ressurge como marco de resistência.

4. A escrita nativa como instrumento de preservação linguística
Gean Nunes Damulakis

Segundo Soares (1998), letramento pode ser considerado “o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais”. Dessa forma, munir de práticas sociais a escrita de um grupo étnico pode se constituir em um caminho importante para aumentar o índice de letramento desse grupo. Neste trabalho, relatamos algumas experiências de atividades de escrita nativa em curso de extensão oferecido a professores indígenas, nas quais se propunha meios de investir a escrita de práticas sociais, no intuito de aumentar a imersão dos indivíduos na escrita em língua indígena. Um dos objetivos da ação foi ressignificar o uso da escrita entre os professores, incentivando-os também a pensar suas práticas em sala de aula no que tange ao uso da escrita de seus alunos. As atividades foram desenvolvidas em curso realizado na Terra Indígena de Nonoai (Kaingang), município de Gramado dos Loureiros, no Rio Grande do Sul. O Kaingang é uma língua da família Jê (Macro-Jê), falada nos estados do sul do Brasil e no oeste de São Paulo. Apesar de muitos grupos indígenas serem dotados de sistema de escrita em sua língua nativa, a escrita tem sido muito mais usada na língua oficial do país, sobretudo com o avanço da escolarização dos indivíduos, fator que confere, numa competição desleal, maior status português do Brasil (PB). Uma das atividades propostas envolveu a ideia de desenvolver um projeto de sistema de placas na comunidade, permitindo que a língua escrita seja vista além do ambiente escolar. Uma das preocupações foi o fato de, diante de deslocamentos na TI não tinham sido vistas, além de uma placa de entrada e saída da aldeia, indicações de nenhuma natureza em Kaingang. Isso tornava a região um tanto despersonalizada em relação ao ambiente externo à TI. Também foram identificadas poucas indicações dentro da própria escola. A ideia parece ter dado frutos, uma vez que em uma segunda edição do curso, várias indicações de ‘cozinha’, ‘banheiro’ e ‘sala de aula’ tinham sido colocadas nas portas das salas da escola. Outra proposta do curso foi o estímulo à adoção da língua em documentos internos, como atas de reuniões feitas pelos professores, além de trocas de e-mails e mensagens eletrônicas na respectiva língua étnica. Dessa forma, o curso buscou incentivar que a escrita da língua indígena fosse mais utilizada pelos professores e que esse uso fosse incentivado por eles. Vale ressaltar que os professores indígenas (de Kaingang) são os responsáveis, às vezes, por oferecer não apenas o único meio para que a língua seja falada como também escrita pelos alunos. Levar a escrita da língua para além dos muros da escola, portanto, pode servir de grande incremento para a manutenção da língua. Da mesma forma, reinvestir a língua de usos que vão além da oralidade serve para garantir outros meios de circulação da língua, outrora circunscrita a situações orais. Obviamente, como sabemos, a língua tem maior vigor na oralidade, e tem sido a via de manutenção da língua durante todo esse período de competição com a língua majoritária; entretanto, pensamos que, diante de um uso cada vez mais crescente de uso da língua escrita, a necessidade de uso da língua Kaingang (e das línguas indígenas em geral) em vias normalmente usadas pela língua oficial ressignifica a língua indígena e aumenta seu poder simbólico na comunidade, podendo ser capaz de mitigar a competição desleal oferecida pelo uso do PB e nas comunicações dos indígenas com os indivíduos e com as instituições do entorno.

5. Ensino de inglês descolonizado para universitários indígenas
Amanda Post da Silveira, Geovane Pankararú, Sandra Gatollin

Esta proposta de ensino língua inglesa foi aplicada a duas turmas do Instituto de Línguas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) que foram criadas, especialmnete, para estudantes que ingressaram através do vestibular para indígenas. Ao pensar em uma proposta que atendesse as necessidades específicas dos meus alunos, busquei suporte nas referências de Linguística Crítica Aplicada (PENNYCOOK, 2001), mais especificamente na proposta de ensino descolonizado da pedagogia crítica (FREIRE, 1970) de língua adicional. Baseada nesta proposta, a metodologia de ensino, bem como de pesquisa adotada constituiu se de duas partes: a primeira, foi uma investigação sobre o perfil linguístico e social dos alunos indígenas, através de um questionário elaborado por mim em trabalhos de pesquisa anteriores (POST DA SILVEIRA, 2016) e adaptado às necessidades desta pesquisa; a segunda, consistiu na elaboração de uma metodologia de ensino que atendesse as necessidades específicas dos alunos de descendência e cultura indígena. Através do questionário, procurei saber quem eram os meus alunos: de onde vinham, que línguas indígenas falavam, ou se somente falavam português, e ainda, procurei saber se já traziam um conhecimento de língua inglesa. Os resultados mostraram um total de 25 alunos (10 mulheres e 15 homens), a maioria deles advindos das regiões Norte e Nordeste, e bastante jovens (idades entre 18 e 29 anos, média de 20.2 anos). Os resultados mostraram também que os estudantes estavam interessados na língua inglesa, primeiramente por a apreciarem, mas também para fins acadêmicos. A maioria dos alunos e das alunas estão nos semestres iniciais dos seus cursos de graduação e expressam ter muitas saudades do convívio familiar em suas aldeias de origem. Tendo estas informações em vista, procurei trabalhar a língua inglesa nestas turmas de modo a despertar o interesse dos alunos e das alunas pela familiaridade dos temas escolhidos. Então, usei lendas indígenas para as aulas de inglês de forma multi-modal: através de histórias contadas em inglês por meio de vídeos. O audiovisual foi utilizado com o objetivo de ensinar vocabulário sobre a natureza, animais, seres mágicos, religiosidade e objetos sagrados. Em outras práticas, somente as imagens dos vídeos foram apresentadas aos alunos, para que eles desenvolvessem práticas orais através da recriação das narrativas a partir das imagens. A atividade final foi a escrita de lendas das suas aldeias em três versões: uma nas línguas indígenas de suas descendências (quando possível), outra em língua portuguesa e outra em língua inglesa. Os estudantes demonstraram um grande interesse em contarem as suas histórias também em língua inglesa e em reconhecerem semelhanças entre as suas lendas familiares e as lendas indígenas norte-americanas contadas em inglês. Finalmente, o ensino de língua crítico e descolonizado de língua inglesa é significativo para os estudantes em muitas dimensões, como a identitária, social e até mesmo emocional. Faz com que o aprendizado de língua aconteça pela valorização das línguas maternas dos alunos e de suas culturas de origem, pela necessidade de expressão da sua própria cultura em uma nova língua, que aos poucos também vai se tornando mais uma de suas línguas. Observamos que o inglês torna-se um meio para que o mundo os conheça e, ao expressar a sua própria história, o aluno adquire significativamente a língua adicional, sem perder a sua identidade.