Poster Session 1

12 Nov 2019
08:00-09:00
AUDITÓRIO DA BIBLIOTECA DO HORTO, MUSEU NACIONAL, QUINTA DA BOA VISTA, RIO DE JANEIRO

Poster Session 1

Macuxi e Wapichana: políticas linguísticas na implementação da lei de co-oficialização
Jan Pöhlmann, Lisiane Machado Aguiar

O objetivo desse trabalho é analisar as políticas linguísticas na implementação da Lei de Co-oficialização e compreender os processos que incentivaram os municípios a realizarem esse procedimento legislativo. Contemplando o histórico Brasileiro de instituir um monolinguismo em Português, o processo de co-oficializar línguas locais significa um movimento pioneiro. A lei prevê a transformação de municípios inteiros em espaços multilíngues, incluindo: emissão de documentos oficiais, atendimento nos órgãos públicos e adaptação de sinalização pública. Para o estudo aprofundado dessas especificidades foram coletados dados no município Brasileiro em Bonfim/RR com a presença de dois povos indígenas, falantes de Macuxi e Wapichana). Constatou-se que com a implementação da Lei da Co-oficialização há o fortalecimento na luta de falantes de línguas locais pelo direito de se expressar na língua da sua escolha.
No município de Bonfim, as línguas Macuxi e Wapichana são faladas quase exclusivamente nas comunidades indígenas. Na cidade de Bonfim não existe nenhuma placa com palavras escritas nos idiomas mencionados (há de se reconhecer que na cidade inteira não existe quase nenhuma placa no espaço público, nem em Português).
Em um evento escolar chamado “Festival de línguas” foram apresentadas as línguas que são faladas na região e/ou ensinadas na escola, por exemplo, Espanhol, Inglês e Português. As línguas indígenas não tiveram nenhum espaço no festival. Elas pareciam não existentes no ambiente urbano e escolar.
Na Universidade Federal de Roraima (UFRR) em Boa Vista, a mais de 100 km de distância da cidade de Bonfim, foi fundada uma instituição específica para indígenas, o Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena, no ano de 2001. Ali são formados professoras e professores para dar aulas bi- ou multilíngues nas escolas básicas das comunidades indígenas do Estado.
Várias edições de dicionários para essas línguas foram lançadas, desde 1983: o primeiro dicionário e livro didático para a língua Macuxi foi escrito por Pira e Amodio. Cadete criou um dicionário para a língua Wapichana em 1990. Em 2012, foram lançados novos dicionários para as duas línguas, dos(as) autores Da Silva, De Souza Silva e De Oliveira; dessa vez aparentemente sem influência da igreja. Eles são usados no ensino de línguas nas comunidades e na UFRR na formação de professores(as). Um entrevistado denominou a lei como o “carimbo para o movimento que já estava em andamento”. Muitas metas já foram conseguidas antes da implementação da lei – como a integração das línguas na escola. Nem todos os parágrafos da lei são realizáveis para trazer efeitos imediatos. Mas é significativo para os municípios a existência de um documento que legaliza o uso das línguas e possibilita o combate legal à discriminação linguística.
Se as línguas conseguirão estabelecer uma posição mais prestigiosa na paisagem linguística brasileira e se impor ao lado da língua portuguesa será avaliável no futuro, provavelmente quando tiver uma geração formada nas línguas co-oficiais dos municípios. O movimento já conseguiu fortalecer um caminho promissor à auto-afirmação dos e das falantes das línguas locais. Um retrocesso seria improvável. A diversidade linguística do Brasil se tornou oficialmente real.

Tipologia linguística: marcação morfológica, alinhamento e ordem de constituintes da língua Wapixana
Thaygra Manoelly Silva de Pinho

A maioria dos pesquisadores da língua Wapixana concorda quanto às características tipológicas da morfologia da língua, afirmando que esta seria Polissintética, pois apresenta grande quantidade de morfemas junto ao verbo. Giovannetti e Basso (2018) afirmam que isso é controverso, entretanto, não apresentam outra visão para tal discussão.
Assumindo a língua colo Polissintética, observamos que há preferência clara por sufixos, tanto nos verbos quanto nos nomes, há a ocorrência de prefixos, mas não com a mesma frequência que os sufixos. Assim, as classes/categorias que possuem sistema aberto são os nomes, verbos, adjetivo e advérbio. A respeito das marcações morfológicas menos comuns (infixos, modificação de raiz, reduplicação, modificação não-linear/suprasegmental), os dados analisados da língua, não apresentam esses tipos de marcações, apenas apresentam pouca ocorrência de modificação de raiz, geralmente relacionada aos classificadores da língua, como: kabain ‘casa’, un-dap (1SGR-CL:habitação) ‘minha casa’.
Na língua Wapixana não há padrão predominante de marcação morfológica no sintagma nominal, quando se trata de posse pronominal, pois essa marcação pode ser feita tanto através de morfemas livres como de morfemas presos com a mesma ocorrência, como podemos perceber nos exemplos abaixo:
(03)
a) Kaziwe-’u ungary kuduru mynymyn
Dor-ADJR 1SG joelho? ontem
‘Ontem meu joelho estava doendo.

b) Ungary saadpa-n un yy
1SG escrever-VR 1SG nome?
‘Estou escrevendo meu nome’

c) Kuwaipyd chia-n un-kawarun
Tapium ferrar-VR 1SG-cavalo
‘O tapium ferrou o meu cavalo’ (espécie de caba- abelha)
Em relação a 2 pessoa do singular, a língua Wapixana também possibilita a posse por morfemas presos e morfemas livres, sendo as duas formas bastante frequente. No exemplo (05a), percebemos que o morfema preso py- ‘você’ marca o núcleo do SN de posse, em que tabay ‘perna’ é o núcleo, sendo assim, temos marcação de núcleo, H-marking. Nos exemplos (05b, c), a posse é marcada pela ordem, pois não há marcação morfológica no GEN e nome possuído, dessa forma, temos marcação zero.
(05)
a) Aka’a! Py-bazi-ku-d-a-n nii py-tabay
Cuidado! 2SG-unha-?-VR-EP-MI NPRS 2SG-perna
‘Cuidado! Você vai arranhar sua perna’

b) Wyry’y Sampa py daru idiwey
DEM enxada 2SG mãe POSP
‘Essa enxada é da sua mãe’

c) Kainha’a nai pygary zuay dia’a
EXIST piolho 2SG cabeça POSP
‘Na sua cabeça tem piolho’
A língua Wapixana marca posse por pronomes no plural de 1 pessoa, assim como faz com a posse em singular, através de morfema preso e livre. Dessa forma, tendo marcação head, exemplo (07a), como também marcação zero, exemplo (07b). Conforme os exemplos abaixo:

(07)a) Ata’azuu wa-y-na-u iriben-na-u kaawa-n
Perto 1PL-?-DÊIT-PL parente-DÊIT-PL chegar-VR
‘Está perto de nossos parentes chegarem’

b) In-nha-u dubat nii wa-wiiz baara’a-n
3-DEIT-PL passar NPRS 1PL-lugar comunidade-POSS
‘Eles passaram na nossa comunidade’
observamos que a tipologia morfológica da língua Wapixana é assim estruturada: a) é uma língua polissintética, com preferência para sufixos, não apresenta infixos, modificações não linear/suprasegmental, b) apresenta pouca modificação de raiz quando há construção de posse com classificadores como: kabain ‘casa’ e un-dap (1SG-CL:habitação) ‘minha casa’, c) e ainda pouco ocorrência de reduplicação de raiz nominal: kaimen ‘bem’ kaimen-aimen (bem-RED) ‘cuidado ~ muito bem’.
A respeito do alinhamento da língua Wapixana, Santos (2006) afirma o sistema nominativo-acusativo, através de exemplos pronominais, entretanto, nos dados analisados não encontramos diferencia entre os pronomes em posição de S, A ou P, sendo assim, são necessários mais dados para poder afirmar algo sobre o alinhamento em relação aos pronomes. Já sobre o alinhamento levando em consideração ao léxico, também não observamos qualquer diferença entre S, A ou P, portanto classificamos como alinhamento neutral.

Raízes indígenas: contextos, saberes e conexões entre mundos através da linguagem
Camilla Correia Freitas, Carla Eugênia Nunes Brito, Maria Izabella Matos Santos

O interesse em aprender a língua portuguesa no ensino regular é permeado de muitas lamúrias e queixas, pois os estudantes relatam sentir muita dificuldade em aprender a junção e aplicação de todas as regras que norteiam o funcionamento desta língua. O processo de ensino e aprendizagem (como um todo e principalmente no ensino da língua portuguesa), na maioria das escolas, ainda é regado de métodos arcaicos que colocam o professor na posição de detentor do conhecimento e muitas vezes exclui a participação ativa do indivíduo. Alguns professores e instituições de ensino ainda utilizam métodos que não valorizam o aprendizado real, fazendo o estudante decorar sem entender a lógica e os porquês de cada especificidade da língua portuguesa.
Para a quebra desse paradigma vêm surgindo novas metodologias de ensino que colocam o estudante como protagonista do processo de aprendizagem e dão significado aos objetos de conhecimento. A exemplo, e que foram aplicadas neste estudo, temos a utilização de metodologias ativas de aprendizagem (mais especificamente, o peer instruction e aprendizagem maker com a utilização de tecnologias digitais e comunicação e informação) para a retomada, revitalização, valorização e preservação de línguas indígenas associadas à língua portuguesa no Colégio de Orientação e Estudos Integrados (COESI). O projeto mencionado segue os programas da Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas (UNESCO). são programas que contribuem para a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos na Agenda 2030, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 2015. O Programa de Escolas Associadas (PEA-UNESCO) tem por objetivo principal criar uma rede internacional de escolas que trabalhem pela ideia da cultura da paz. Suas atividades estão voltadas a um tema central, que é o Ano Internacional proposto pela Unesco, e para o ano de 2019 lançou o Ano Internacional das Línguas Indígenas (International Year of Indigenous languages – IYIL2019) a ser comemorado pela UNESCO ao longo do ano.
O COESI, alinhado à UNESCO e totalmente integrado ao tema PEA-UNESCO 2019 – ano internacional das línguas indígenas, desenvolveu o tema norteador das ações pedagógicas a serem desenvolvidas em 2019, a exemplo o Projeto “Aracaju”. Que foi desenvolvido a fim de estabelecer as contribuições e influências promovidas pelos povos indígenas em Aracaju, pois historicamente a cidade nasceu a partir de uma aldeia indígena. Por volta do ano 1000 e com a chegada de novos povos aconteceram as transformações no território e os povos indígenas migraram para outras regiões, sendo necessário o estudo para resgatarmos a cultura dos povos indígenas e principalmente sua língua materna.
O estudo sobre a língua materna dos povos indígenas que viviam na cidade se dará pela construção de uma linha do tempo colaborativa entre os alunos do 7º ano do ensino fundamental. O principal objetivo do estudo é proporcionar aos alunos do COESI o entendimento sobre a importância da linguagem, as contribuições das línguas indígenas e como suas aplicações se perpetuam no espaço em que vivemos e tempo, as relações entre a língua indígena e a língua portuguesa em Sergipe. Todos esses aspectos já estão sendo trabalhados através da construção do conhecimento de forma prática, garantindo que o estudante tenha uma experiência de vivência com as comunidades indígenas locais e suas influências no ambiente em que estamos inseridos.
A relevância projeto é a construção do conhecimento da diversidade cultural (que envolvem não somente a linguagem) garantindo uma aprendizagem significativa. Além disso, visa retomar, revitalizar, valorizar e preservar as de línguas indígenas associadas à língua portuguesa no Colégio de Orientação e Estudos Integrados e no cotidiano do aluno COESI, perpetuando-se durante a trajetória de vida dele.

Criações endógenas no Kaingang como estratégia de preservação lexical
Fabiana Alencar da Silva, Gean Damulakis

O léxico de uma língua está em constante inovação e uma das causas é o contato linguístico a que está sujeita. Esse contato é um dos aspectos mais perceptíveis da interação entre culturas distintas, o que é capaz de gerar transformações socioculturais e contribui para o surgimento de mudanças linguísticas. Essas transformações, nas quais os falantes estão inseridos, fazem com que, por exemplo, ao lado de outras consequências para a língua, palavras entrem em desuso e que outras, em contrapartida, passem a existir. No contexto brasileiro, em muitos casos, a situação de contato do Português Brasileiro (PB), língua oficial no país, com as línguas indígenas, causa uma relação assimétrica, possibilitando o aumento de empréstimos e outras inovações lexicais nessas línguas. Esse é o caso do Kaingang – família Jê, tronco Macro-Jê (Rodrigues, 1986) – do qual grande parte da população possui um alto grau de bilinguismo e, muitas vezes, torna-se monolíngue em PB. Diante desse cenário, objetivamos aqui promover uma reflexão acerca de dois processos, em princípio concorrentes, de inovações lexicais no Kaingang: os empréstimos e as criações endógenas (Damulakis & Silva, no prelo). Ao lado de muitos empréstimos encontrados, tanto adaptados fonético-fonologicamente (por exemplo, aro[j]), quanto diretos (por exemplo, bi[s]i[kl]eta ‘bicicleta’, com os segmentos [s] e [l] e o cluster [kl] inexistentes em Kaingang), também encontramos o que estamos denominando como criações endógenas (Damulakis & Silva, no prelo). Essas criações funcionam como uma expansão lexical utilizando-se apenas de recursos da língua criadora, que se mostram como uma alternativa à adoção de empréstimos, em situações de contato linguístico-cultural. Um exemplo de criação visto nessa língua é o caso de goj kron fã, (literalmente: “bebedor” de água), para a nomeação dos referentes ‘bebedouro’ e ‘garrafa’. Baseando-nos na metodologia sociolinguística (Labov, 1963; Weinreich, Labov & Herzog [1968], 2016), nossa proposta principal para este trabalho é mostrar alguns dados de criação endógena em competição com os de empréstimos, que podem indicar uma atitude linguística (consciente ou inconsciente) dos falantes pela preferência da primeira estratégia. Para isso, apresentaremos resultados preliminares de estudo em tempo aparente realizados nas Terras Indígenas de Nonoai e de Serrinha (Rio Grande do Sul), em 2016 e 2018, buscando verificar se há variação estável entre os empréstimos e as criações endógenas, tomados como processos, ou se está em algum estágio de mudança em curso. Além disso, mostramos uma análise comparativa preliminar de alguns dos nossos dados coletados com registros encontrados em listas vocabulares, como no Vocabulário da língua bugre (1852), Teschauer (1905) e no dicionário de Wiesemann (2002) com os nossos dados, coletados com o intuito de mapear as possíveis mudanças ocorridas com o efeito do contato linguístico. Desejamos, com a nossa pesquisa, suscitar discussões a respeito do léxico do Kaingang que possam contribuir para a manutenção da língua. Dessa forma, fornecemos subsídios que podem ser relevantes para, por exemplo, a formação de professores Kaingang, uma vez que tornar conscientes esses processos e oferecê-los (aos professores em formação, e, consequentemente, aos alunos nas escolas) poderá fazer com que a criação endógena sirva como mais uma ferramenta aliada na preservação de elementos lexicais da língua minorizada, fortalecendo o Kaingang e inspirando exemplos similares em outras etnias.

Valorização cultural e o ensino na língua indígena Macuxi na Escola Indígena José Marcolino
Adine da Silva Ramos, Alessandra Souza Santos

O presente artigo é oriundo do projeto de pesquisa Valorização Cultural através do Ensino da Língua Indígena Macuxi na Escola Indígena José Marcolino, desenvolvido ao longo do curso de Especialização em ensino de Línguas em Contexto de Diversidade, sob a orientação da Professora, Dra. Alessandra de Souza Santos. O objetivo central é trazer a discussão sobre a valorização cultural através do Ensino da Língua Macuxi. A metodologia desenvolveu-se a partir de uma oficina sobre a pesquisa, desenhos e construção de nomes de animais existentes na comunidade, com 10 alunos do 5º ano do ensino Fundamental da Escola Indígena José Marcolino. A construção do trabalho foi fundamentada com os autores PIMENTEL DA SILVA, 2001; BRITO, Maria Edna de, 2015; MAIA, Marcus, 2006, 2012, que nos deram o suporte para a elaboração e a aplicação do trabalho. O artigo está dividido em quatro partes: 1) Introdução, 2) Práticas Culturais e o Uso da Língua Indígena, 3) Ensino da Língua Macuxi na Escola José Marcolino como uma questão Ideológica 4) Metodologia e 5) Considerações Finais. As partes 2,3 e 4 compreendem o desenvolvimento propriamente dito do artigo.

Pode a constituição de corpora eletrônicos contribuir para a revitalização linguística? As ambições de um projeto
Lílian Teixeira de Sousa

Ao observar as experiências de revitalização linguística no mundo, fica evidente que se trata de um plano complexo, em que há diferentes realidades de manutenção e perda linguísticas que interferem diretamente no planejamento do projeto de revitalização, como o número de falantes, o contexto de uso da língua ou seu status. Além dos diferentes cenários possíveis, considerando as particularidades de cada experiência, há ainda fatores de ordem político-econômica que podem interferir no processo, haja vista casos bem sucedidos de línguas antes extintas que voltam a ser faladas e também tentativas frustradas de recuperação de prestígio de línguas vivas. Diante de toda a complexidade que projetos de revitalização podem envolver, há que se pensar em alternativas que permitam planejamentos de longo prazo. É nesse sentido que pensamos na constituição de corpora eletrônicos como uma possível aliada na revitalização ou retomada linguística e apresentamos os objetivos e resultados parciais do projeto “As línguas do Brasil colônia: um estudo sobre as descrições de línguas indígenas e africanas faladas no Brasil durante o período colonial”. Esse projeto surgiu a partir do contato com a aldeia indígena dos kiriri, no distrito de Banzaê-BA, após um projeto de extensão que buscava dar subsídios teóricos aos professores de línguas das escolas indígenas. Como é sabido, das comunidades indígenas do Nordeste, apenas os Fulni-ô mantêm a língua original, todas as outras línguas foram perdidas no processo de homogeneização linguística vivenciado no Brasil desde o decreto de Pombal. No caso dos kiriri, a perda da língua original data da guerra de Canudos, na qual teriam morrido os últimos falantes. Após a iniciativa dos pataxós, no entanto, alguns indígenas kiriri começaram a pensar numa possível retomada linguística tendo como ponto de partida os documentos produzidos pelos jesuítas, sendo de conhecimento deles o catecismo de Nantes e a gramática de Mamiani. Segundo apontam, esses documentos são, no entanto, de difícil compreensão, o que evidencia que o simples acesso à edição histórica desses documentos não os ajuda, especialmente porque há, nesses documentos, uma série de elementos, desde o uso de diacríticos até a tradução em português “antigo”, que dificultam sua compreensão. Foi assim que nasceu a ideia de produzir edições que tornassem o material histórico produzidos em línguas indígenas (e mais tarde em línguas africanas) mais acessível. Dessa forma, foi estabelecido como objetivo geral do projeto a produção de edições eletrônicas com anotação morfológica e tradução para português brasileiro (também espanhol e inglês) dos catecismos em kipeá, dzubukwá, tupi, guarani, quimbumdu, quicongo e gbe. Esse objetivo se desdobra em outros, como criar ferramentas de anotação automática que possam ser adaptadas para outras línguas, aprofundar o conhecimento sobre esses documentos de forma a permitir também a produção de edições críticas e gramáticas pedagógicas, além de formar especialistas. O projeto já está com a edição do catecismo guarani (Montoya) em processo de finalização e conta com a colaboração de diversos pesquisadores, linguistas especialistas em línguas indígenas e africanas, profissionais de linguística computacional e cinco bolsistas de iniciação científica.

A monitoria indígena como ferramenta de ensino e aprendizado: desafios na formação docente
Gustavo Kanokrã Xerente, Tatielly Almeida da Silva, Neila Nunes de Souza

O presente texto reflete sobre a monitoria dos estudantes indígenas no ensino superior, de modo específico na Universidade Federal do Tocantins – UFT campus de Porto Nacional. Tem por objetivo refletir no processo de ensino, aprendizagem, inclusão e de permanência dos indígenas no meio acadêmico. O programa de monitoria nas Universidades Federais no Brasil tem como maior contribuição à melhoria da qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão. Desse modo, ao pensarmos no processo de ensino, essa prática educacional leva o professor-orientador a envolver o monitor em todo o processo de estruturação de uma aula, desde o seu planejamento até a etapa da avaliação (FRISON; MORAES, 2010). A partir disso, destacam as demandas, experiências e dificuldades vivenciadas no meio acadêmico, a partir das reflexões obtidas por meio da monitoria indígena na UFT, no ano de 2018, no curso de Licenciatura em Letras. Este estudo possibilitou uma visão mais ampla sobre a importância de uma monitoria acadêmica para a formação de professores indígenas visando melhorias na qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão no âmbito universitário. Percebe-se a necessidade de estudos na área, uma vez que trabalhos abordando esse cenário ainda são pouco explorados nas instituições educacionais.

A Web como ferramenta de suporte à preservação e à revitalização linguística
Evandro L.T.P. Cunha

Diversas fontes (e.g. FISHMAN, 2001; HINTON, 2001) têm atestado os riscos sofridos por línguas minoritárias ao redor do mundo. De acordo com estimativas da UNESCO (MOSELEY, 2010), acredita-se que mais da metade das aproximadamente sete mil línguas faladas hoje no planeta estará extinta ao final do século XXI. No Brasil, tendo em vista o silenciamento que sofre a diversidade linguística, o cenário é especialmente preocupante: apesar do alto número de línguas indígenas faladas no território nacional, grande parte delas encontra-se ameaçada de desaparecimento no espaço de poucas gerações. Diante dessa realidade, a crescente (e urgente) necessidade de se preservar e revitalizar línguas em risco de extinção exige a utilização de todas as ferramentas disponíveis. Embora um dos vários fatores que propiciam a difusão de línguas majoritárias em detrimento de línguas minoritárias seja a expansão do acesso à Internet ao redor do globo (KORNAI, 2013), esse mesmo recurso tem sido útil no processo de documentação e preservação de variedades linguísticas em perigo, tanto como plataforma para páginas institucionais dedicadas ao arquivamento de textos orais e escritos (e.g. Endangered Languages Project, Living Archive of Aboriginal Languages, entre diversas outras) quanto por meio de iniciativas individuais ou coletivas que visam incentivar o uso dessas línguas em ambientes digitais. Nesse contexto, páginas da Web, blogs, fóruns e redes sociais online têm sido usadas como “praças virtuais” nas quais essas línguas ganham voz, sendo importantes para sua conservação e seu revigoramento. Neste trabalho, serão apresentados estudos de casos em que a Web tem se mostrado uma eficaz ferramenta de suporte à preservação e à revitalização de línguas em perigo ao redor do mundo. Serão destacados: (a) a crescente bibliografia acadêmica acerca do uso de variedades linguísticas minoritárias em redes sociais online e em aplicativos de mensagens instantâneas, como Facebook, Twitter e WhatsApp; (b) os princípios do Digital Language Diversity Project (DLDP), que visa fortalecer o uso de línguas minoritárias europeias na Web; e, por fim, (c) o projeto Web Indígena (D’ANGELIS, 2011), que tem como foco a inclusão de línguas indígenas brasileiras e de suas comunidades no mundo digital. O objetivo da comunicação será demonstrar que a presença de uma língua em ambientes digitais pode propiciar-lhe prestígio em virtude da valorização provocada pela sua participação no cenário global da Internet, resultando assim na ampliação da estima dos falantes pela própria língua. Considera-se, entretanto, fundamental a intensa participação e envolvimento da comunidade de falantes na criação e compartilhamento de conteúdo na língua, para que esse processo não se transforme em (mais) uma “invasão tecnológica” unilateralmente imposta. Entende-se que, apesar do cenário de incertezas, a Web pode oferecer caminhos, oportunidades e possibilidades para o suporte à manutenção da vitalidade de variedades linguísticas minoritárias, dentre as quais as línguas indígenas brasileiras, contribuindo assim para a promoção da diversidade linguística e para a salvaguarda desse patrimônio imaterial da humanidade.

Práticas de ensino interdisciplinar Inglês x Patxohã, na Escola Indígena Pataxó Coroa Vermelha
Lucicleia Santos Batista

O trabalho objetiva retratar experiências de ensino-aprendizagem da Língua Inglesa a partir do vocabulário e cultura Pataxó, na Escola Indígena Pataxó Coroa Vermelha, onde a autora, atua como professora das turmas de Ensino Fundamental II, da Disciplina de Língua Inglesa. Serão expostas evidências de atividades construídas e a percepção de seu impacto na revitalização do Patxohã – Língua Pataxó – na comunidade escolar.

Projeto: Diversidade e Pluralidade Cultural na sala de aula – PIBID Letras UFSCar
Geovane Pankararú, Sandra Gatollin, Amanda Post da Silveira

Esta proposta visa relatar os resultados do meu projeto como bolsista PIBID, desenvolvido em uma escola da rede pública estadual, no interior do estado de São Paulo. O trabalho consistiu numa dinâmica interativa para desenvolver narrativas orais em língua portuguesa, provocando impactos na formação do aluno, por meio do relato de suas realidades e assim diminuindo atitudes preconceituosas. Através da construção de narrativas, pretendeu-se promover a aceitação das diferenças e a compreensão de diferentes culturas, etnias e organizações sociais. Segundo Gomes (2007), as concepções atribuídas à diversidade cultural são relacionadas à construção histórica, cultural e social das diferenças, de modo que os diferentes contextos sejam compreendidos por meio do processo histórico cultural. Assim, entende-se que para tratar da diversidade é preciso compreender o contexto em que os alunos vivem e, a partir de suas vivências, fazer relações entre as suas referências culturais e a diversidade cultural brasileiras. Neste trabalho objetivou-se compreender a presença da cultura e de povos indígenas que fazem parte da grande diversidade do nosso país, bem como reconhecer as diferenças entre as etnias indígenas, ao mesmo tempo que esta prática gerou a construção de narrativas orais. Os participantes foram alunos de 8º e 9º ano do Ensino Fundamental em um total de 140 alunos com idades entre 13 e 16 anos. Os encontros foram semanais, durante 4 meses do primeiro semestre do ano corrente, nas disciplinas de História e Língua Portuguesa. A temática indígena foi introduzida inicialmente por meio de uma sondagem dos conhecimentos prévios dos alunos, investigando o que eles sabiam sobre a mesma. Neste sentido, foi exibido o vídeo documentário da TV Escola “Índios no Brasil” – Cap 1 “Quem são eles?” de 17 minutos e 37 segundos de duração, discutindo a maneira como a imagem do indígena era construída a partir da fala das pessoas no vídeo. Foi trabalhada a música “Chegança” de Antônio Nóbrega, para reafirmar a diversidade de povos indígenas no Brasil e as particularidades que cada etnia possui. Foram realizadas rodas de conversa sobre os diferentes povos indígenas brasileiros, destacando algumas etnias que se fazem mais presentes na UFSCar. A atividade proposta para os alunos foi a realização de um trabalho de pesquisa a respeito das etnias indígenas, que deveria ser apresentado oralmente na última aula do primeiro semestre de 2019. Com esta proposta de trabalho, notou-se que os estudantes compreenderam a diversidade de povos indígenas e entenderam que cada povo vive em contextos diferentes, com costumes que precisam ser respeitados. Conclui-se que o tema é de fundamental importância, para o ensino de narrativas orais, e, mais que isso, merece ser discutido interdisciplinarmente nas escolas para que o conhecimento e a cultura estejam interligados na formação de um cidadão crítico e conhecedor da pluralidade e diversidade de culturas que estão ao seu redor.

A língua dos línguas
Eduardo Braz Marinho Rolim

O patxohã é um sistema de elaboração e ressignificação, reprodução e reconstrução linguística pataxó, que reforça o intuito de reafirmação étnica que mobiliza esforços de resistência política por parte de sua coletividade. Este processo foi iniciado em 1998, por um grupo de pesquisadores pataxó chamados atxohã que decidem retomar a antiga língua falada pelo povo antes dos processos de aldeamento e os supervenientes sistemas de impedimento da possibilidade de falar a língua indígena nativa, como projeto de suplementação e imposição da língua portuguesa em todo território nacional. Importante notar que este é o período em que ocorria algumas demarcações territoriais em favor do povo pataxó da Costa do Descobrimento, que voltavam aos territórios tradicionalmente ocupados e estavam motivados ao resgate de suas tradições e entre elas, de sua língua própria.
Língua é expressão usada pelos mais velhos que identificavam aqueles que ainda sabem falar a língua dos pataxó e que, por isso, tiveram papel fundamental na reconstrução idiomática e nos processos de tradução das palavras e expressões, o que eles chamam de cortar na língua (BOMFIM, 2017: 314).
Em 1992, o ensino da língua tradicional pataxó começou a ser ensinado por Antonio Arawê, professor da cadeira de “língua e cultura” na escola indígena pataxó de Barra Velha. Em Carmésia, na Fazenda Guarani, Kanatyo Pataxó também desenvolvia um trabalho voltado para o desenvolvimento da língua (BOMFIM, 2012: 65). Não só nas escolas é que se via a preocupação na transmissão dos conhecimentos culturais e linguísticos do povo pataxó, em Cumuruxatiba, a índia Zabelê se esforçava para ensinar aos mais novos a língua, o que foi fundamental para sistematização do patxohã pelos professores indígenas das comunidades do sul da Bahia que criaram o “projeto de pesquisa e documentação da cultura e língua pataxó”, em que os vocábulos, após organização prévia dos atxohã eram submetidas à aprovação pelo concelho de caciques, que outorgavam a proliferação para os membros da comunidade.
Foi necessário, portanto, um intercâmbio de informações e sistematizações do conhecimento através da escrita, que deveria ser ensinada nas escolas indígenas para as futuras gerações e, assim, garantir novamente a fluência sobre uma língua nativa. Contudo, os atxohã, logo perceberam que este processo construtivo não daria conta de erigir a língua falada naquele período, seja pela perda significativa de palavras e expressões, seja pelo processo de contatos com outros povos que ensejaram novas demandas e, consequentemente, novas palavras.
Para entender a sistematização da língua patxohã, temos que evidenciar o trabalho feito por pesquisadores pataxó para uma revitalização da língua que já foi considerada perdida. Este processo parte coletivamente, entre os membros mais velhos e os novos pesquisadores da língua, em processos autónomos e complementares. Nesse passo, os atxohã são fundamentais ao movimento de reterritorialização de um povo que desejava retomar também sua língua.
Assim como no movimento filosófico antropofágico, o resgate linguístico pataxó parte de uma vontade coletiva de reafirmar seu orgulho e suas fronteiras, mas que aceita que o que lhe é próprio e o diferencia não necessariamente é relativo ao originalmente endêmico, mas das relações que são apropriadas pela comunidade e aceitas como pertencentes ao grupo. É dizer: em uma vertente de pensamento decolonial, uma língua é indígena porque surge de uma coletividade indígena. O patxohã é a língua pataxó porque foi moldada por essa etnia, sendo retomada e fortalecida.