Communication sessions

Day 1
11 Nov 2019
Day 2
12 Nov 2019
Day 3
13 Nov 2019
Day 4
14 Nov 2019

Communication Session 1

1. A Escola Indígena como Protagonista: A experiência dos Kotiria no noroeste amazônico
José Galvez Trindade (Escola Indígena Kumuno Wʉ’ʉ Kotiria), Kristine Stenzel (UFRJ, Programa de Pós-Graduação em Linguística)

Em Janeiro de 2019, inaugurando o Ano Internacional das Línguas Indígenas, a Associação da Escola Indígena Kumuno Wʉ’ʉ Kotiria (ASEKK) recebeu o prêmio de Excelência em Linguística Comunitária da Sociedade Linguística Americana (LSA) em reconhecimento de quase vinte anos de dedicação ao fortalecimento e manutenção da língua e cultura Kotiria. A Escola Indígena Kotiria se formou no ano 2002 durante a primeira Oficina Linguística, realizada com apoio do Projeto de Educação do Instituto Socioambiental (ISA). O objetivo dos professores que tomaram frente desta iniciativa era de transformar a então escola rural de 1ª a 4ª série na comunidade de Caruru Cachoeira (Alto rio Uaupés, TI Alto Rio Negro, AM) em uma escola diferenciada, expandindo seu alcance ao segundo ciclo de educação fundamental (8ª série na época). Entre os objetivos desta nova escola, destacavam-se o desejo de permanência das crianças com suas famílias e em suas comunidades de origem, o desenvolvimento de calendário e currículo específicos respeitando os conhecimentos e cultura Kotiria, e a valorização e reforço do uso da língua Kotiria no âmbito escolar. Iniciou-se um trabalho colaborativo de estudo e documentação da língua visando o desenvolvimento de ferramentas e materiais de apoio, incluindo uma ortografia prática, dicionário multimídia, gramática pedagógica, livros didáticos de vários tipos, e acervos de registros documentais audiovisuais.
Em 2007 a escola cresceu mais ainda com a inclusão do ensino médio, que até este ano formou cerca de 100 alunos. Junto à expansão ao ensino médio, a escola se tornou parceiro em dois grandes projetos de documentação linguística, o primeiro com apoio do Programa de Documentação de Línguas Ameaçadas (ELDP, Universidade de Londres, 2007-2011) e o segundo do Programa de Documentação de Línguas da Fundação Nacional da Ciência dos EUA (NSF-DEL, 2017-2020). As atividades destes projetos foram integradas ao currículo e calendário escolar, com professores e alunos formando as equipes de pesquisa e realização. Os temas para documentação e as etapas de realização são discutidos, planejados e executados de forma colaborativa pela comunidade escolar, membros das equipes e parceiros, sempre visando retorno ao povo Kotiria, valorizando sua língua e cultura. Ao longo dos anos, além dos trabalhos linguísticos, a Escola Kotiria também desenvolveu parcerias com outros pesquisadores e instituições, realizando projetos de registro preservação de seu patrimônio e identidade cultural.
José Galvez Trindade, professor e ex-diretor da Escola Kotiria, e a linguista Kristine Stenzel compartilharão a história da escola e dos esforços realizados. A apresentação tratará dos desafios e conquistas ao longo dos anos bem como questões e caminhos futuros. Por fim, discutirá o “sucesso” desses trabalhos de duas décadas, que não se mede apenas em produtos tangíveis, mas também na formação de uma geração fortalecida e orgulhosa de sua identidade étnica, ciente de seus direitos e atuante na defesa destes e na construção de um país que valoriza sua diversidade.

2. Kariamã ou Kalidamãi: Mamé yapuderi waá yayumbué maita yapuderi yamukaturu, yamabaka, yankuntari yané Nheengaita iké Nheengatu. Kariamã ou Kalidzamãi: Momento de aprendizado para fortalecer, guardar, falar e tornar as Língua as indígenas Vivas, materialmente e espiritualmente, aqui no caso o Nheengatu”
Edilson Martins Melgueiro

O objetivo deste trabalho é apresentar resultados parciais de pesquisa intitulada “Mayé asui mamé yapuderi waá yamukaturu, yamabaka, asui yankuntari Nheengatu, para os não indígenas seria o Dicionário. Pretende-se ajudar na documentação da língua e linguagem do Nheengatu para que a mesma não desapareça, pois, apesar dos falantes dessa língua estejam em torno de 6000 pessoas hoje, a cada ano o número de falantes está se reduzindo. Inicialmente, realizamos pesquisas bibliográficas sobre as línguas indígenas e a situação sociolinguística do Nheengatu no Rio Negro, especificamente no Município de São Gabriel da Cachoeira -Am. Em seguida, abordaremos teorias do léxico (lexicologia e lexicografia), que são pontos fundamentais na construção desse trabalho. A elaboração de um dicionário monolíngue nhengatu-nheegantú é uma iniciativa importante, pois possibilita que a parte documentada e organização do léxico da língua nheengatu ( macro e microestrutura) será e estar construído a partir dos pressupostos teóricos indígenas, ou seja, um dos ritos mais importantes do povo Aruak, o Kariamã ou Kalidzamãi. Onde o momento é sagrado e essencial para aprendizado valorização entendimento do universo através da língua. Além disso, servirá de suporte para família e escola para que crianças fortalecem primeiramente a sua identidade linguística e cultural. No futuro próximo será elaborado um Dicionário Bilingue nheengatu -português.

KUNTARI SÁ KWAIRANTU:
Kwá yané muraki ser waá “ Mayé asui mamé yapuderi waá yamukaturu, yamabaka, asui yankuntari Nheengatu” ti ré yambawa aé piterara rupi ayiku. Kariwa ta seruka kwá muraki “ dicionário”. Kwá yané muraki irumu yaputari yamukaturu, ymabaka nheengatu nheenga, kunarti sá rupi asuí yampinima sá rupi, ti arama upáwa. Uyí aikwé 6000 miraita usendua waita Nheegantu, má muíri akayú usasá siia piri yamaã uxari waita uiku ukuntari nheengatu. Yakuntari arama sesé wara, yasú kuri yayuripru yambeú nheenga ta resewara iké brasil upé, asui kuri yasu yambeu mayeta nheegatnu uiku paraná pixuna upé. Asui kurí yasu yambeu mayeta yamanduari, asui yaminhã yamabaka, yamkuturu, yakuntari neengaita. Mayé ta yaminhã kariwa ta umundu yaminhã “dicionário”. Kwá muraki ayupiru waá yaiku aé amurupité kuri mayé kariwa ta manduia sui. Iké asú yaminhã mayé yané ramunha ambira ta , yané payetá tambué waã yandé Kariamá upé, mayé kunhã t supe supé yuíri, mayé ta yapuderi ymainhã yamukaturu arama yané nheengaitá. Tia akwá sá kuri ta su ta sendu yandé arama.

3. Língua de origem: símbolo de resistência do ethos Terena
Lindomar Lili

Podemos afirmar o desuso de línguas de origem, ou, a língua materna em diversos povos originários nesse país (Brasil), decorre de ação e perpetua como herança colonial. Entre a população Terena do estado de Mato Grosso do Sul, o desuso da língua está atrelado ao período de maior contato com a dita civilização branca, eurocêntrica e etnocêntrica em que esse povo foi submetido em seus próprios territórios. O pós-guerra da tríplice Aliança (1864 – 1870) foi um divisor de águas na vida desse povo, seja ela em sua cultura, seja em seus territórios estendendo-se para o período da atuação do SPI – Serviço de Proteção ao Índio, considerado um órgão fracassado, torturador, opressor, e etnocída das populações indígenas. O trabalho de revitalização, alfabetização e prática cotidiana do falar Terena, tornou-se nos últimos anos elemento de afirmação de identidade étnica. Por muitos tempos a língua Terena tanto quanto outras línguas consideradas inferiores, ressurge como marco de resistência.

4. A escrita nativa como instrumento de preservação linguística
Gean Nunes Damulakis

Segundo Soares (1998), letramento pode ser considerado “o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais”. Dessa forma, munir de práticas sociais a escrita de um grupo étnico pode se constituir em um caminho importante para aumentar o índice de letramento desse grupo. Neste trabalho, relatamos algumas experiências de atividades de escrita nativa em curso de extensão oferecido a professores indígenas, nas quais se propunha meios de investir a escrita de práticas sociais, no intuito de aumentar a imersão dos indivíduos na escrita em língua indígena. Um dos objetivos da ação foi ressignificar o uso da escrita entre os professores, incentivando-os também a pensar suas práticas em sala de aula no que tange ao uso da escrita de seus alunos. As atividades foram desenvolvidas em curso realizado na Terra Indígena de Nonoai (Kaingang), município de Gramado dos Loureiros, no Rio Grande do Sul. O Kaingang é uma língua da família Jê (Macro-Jê), falada nos estados do sul do Brasil e no oeste de São Paulo. Apesar de muitos grupos indígenas serem dotados de sistema de escrita em sua língua nativa, a escrita tem sido muito mais usada na língua oficial do país, sobretudo com o avanço da escolarização dos indivíduos, fator que confere, numa competição desleal, maior status português do Brasil (PB). Uma das atividades propostas envolveu a ideia de desenvolver um projeto de sistema de placas na comunidade, permitindo que a língua escrita seja vista além do ambiente escolar. Uma das preocupações foi o fato de, diante de deslocamentos na TI não tinham sido vistas, além de uma placa de entrada e saída da aldeia, indicações de nenhuma natureza em Kaingang. Isso tornava a região um tanto despersonalizada em relação ao ambiente externo à TI. Também foram identificadas poucas indicações dentro da própria escola. A ideia parece ter dado frutos, uma vez que em uma segunda edição do curso, várias indicações de ‘cozinha’, ‘banheiro’ e ‘sala de aula’ tinham sido colocadas nas portas das salas da escola. Outra proposta do curso foi o estímulo à adoção da língua em documentos internos, como atas de reuniões feitas pelos professores, além de trocas de e-mails e mensagens eletrônicas na respectiva língua étnica. Dessa forma, o curso buscou incentivar que a escrita da língua indígena fosse mais utilizada pelos professores e que esse uso fosse incentivado por eles. Vale ressaltar que os professores indígenas (de Kaingang) são os responsáveis, às vezes, por oferecer não apenas o único meio para que a língua seja falada como também escrita pelos alunos. Levar a escrita da língua para além dos muros da escola, portanto, pode servir de grande incremento para a manutenção da língua. Da mesma forma, reinvestir a língua de usos que vão além da oralidade serve para garantir outros meios de circulação da língua, outrora circunscrita a situações orais. Obviamente, como sabemos, a língua tem maior vigor na oralidade, e tem sido a via de manutenção da língua durante todo esse período de competição com a língua majoritária; entretanto, pensamos que, diante de um uso cada vez mais crescente de uso da língua escrita, a necessidade de uso da língua Kaingang (e das línguas indígenas em geral) em vias normalmente usadas pela língua oficial ressignifica a língua indígena e aumenta seu poder simbólico na comunidade, podendo ser capaz de mitigar a competição desleal oferecida pelo uso do PB e nas comunicações dos indígenas com os indivíduos e com as instituições do entorno.

5. Ensino de inglês descolonizado para universitários indígenas
Amanda Post da Silveira, Geovane Pankararú, Sandra Gatollin

Esta proposta de ensino língua inglesa foi aplicada a duas turmas do Instituto de Línguas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) que foram criadas, especialmente, para estudantes que ingressaram através do vestibular para indígenas. Ao pensar em uma proposta que atendesse as necessidades específicas dos meus alunos, busquei suporte nas referências de Linguística Crítica Aplicada (PENNYCOOK, 2001), mais especificamente na proposta de ensino descolonizado da pedagogia crítica (FREIRE, 1970) de língua adicional. Baseada nesta proposta, a metodologia de ensino, bem como de pesquisa adotada constituiu se de duas partes: a primeira, foi uma investigação sobre o perfil linguístico e social dos alunos indígenas, através de um questionário elaborado por mim em trabalhos de pesquisa anteriores (POST DA SILVEIRA, 2016) e adaptado às necessidades desta pesquisa; a segunda, consistiu na elaboração de uma metodologia de ensino que atendesse as necessidades específicas dos alunos de descendência e cultura indígena. Através do questionário, procurei saber quem eram os meus alunos: de onde vinham, que línguas indígenas falavam, ou se somente falavam português, e ainda, procurei saber se já traziam um conhecimento de língua inglesa. Os resultados mostraram um total de 25 alunos (10 mulheres e 15 homens), a maioria deles advindos das regiões Norte e Nordeste, e bastante jovens (idades entre 18 e 29 anos, média de 20.2 anos). Os resultados mostraram também que os estudantes estavam interessados na língua inglesa, primeiramente por a apreciarem, mas também para fins acadêmicos. A maioria dos alunos e das alunas estão nos semestres iniciais dos seus cursos de graduação e expressam ter muitas saudades do convívio familiar em suas aldeias de origem. Tendo estas informações em vista, procurei trabalhar a língua inglesa nestas turmas de modo a despertar o interesse dos alunos e das alunas pela familiaridade dos temas escolhidos. Então, usei lendas indígenas para as aulas de inglês de forma multi-modal: através de histórias contadas em inglês por meio de vídeos. O audiovisual foi utilizado com o objetivo de ensinar vocabulário sobre a natureza, animais, seres mágicos, religiosidade e objetos sagrados. Em outras práticas, somente as imagens dos vídeos foram apresentadas aos alunos, para que eles desenvolvessem práticas orais através da recriação das narrativas a partir das imagens. A atividade final foi a escrita de lendas das suas aldeias em três versões: uma nas línguas indígenas de suas descendências (quando possível), outra em língua portuguesa e outra em língua inglesa. Os estudantes demonstraram um grande interesse em contarem as suas histórias também em língua inglesa e em reconhecerem semelhanças entre as suas lendas familiares e as lendas indígenas norte-americanas contadas em inglês. Finalmente, o ensino de língua crítico e descolonizado de língua inglesa é significativo para os estudantes em muitas dimensões, como a identitária, social e até mesmo emocional. Faz com que o aprendizado de língua aconteça pela valorização das línguas maternas dos alunos e de suas culturas de origem, pela necessidade de expressão da sua própria cultura em uma nova língua, que aos poucos também vai se tornando mais uma de suas línguas. Observamos que o inglês torna-se um meio para que o mundo os conheça e, ao expressar a sua própria história, o aluno adquire significativamente a língua adicional, sem perder a sua identidade.

Communication sessions

1. He Taiao, he tinana, E rua, e rua
Hone Waengarangi Morris, Associate Professor Massey University, Ngāi Te angitotohu ki Rangitāne, Ngāti Mārau ki Kahungunu

A Māori perspective towards the environment includes the human body and its energies. This presentation looks at the words used by my ancestors for parts of the body and the words used in describing various parts of the environment. Collating these words will show the intimate understanding my ancestors had towards the environment and its rhythms.
For example, the Māori word for land is whenua which it also the word used by the ancestors for placenta as both sustain life. The Māori Language (Te Reo Māori) has many examples to support the notion that the language of the environment and the language of the body are inseparable.
Another example is the word Hā = breath and emanates from the seat of the emotions aro. As the breath ascends through the body, it passes through the throat korokoro and on to the tongue arero. The breath then exits the mouth as voice reo¬—the word and phonetical expression originating from the word for tongue arero and as speech kōrero—the phonetical expression and word originating from the words for throat korokoro and tongue arero. The breath shapes the words through the energy of love, compassion aroha—the phonetical expression of the two syllables originating from the words for the seat of emotions aro and the breath hā.
Kiri = skin, bark, rind and hide, Rae = forehead and headland are other examples of the closeness the relationship that my ancestors had with the environment. Other examples that I will share are in the PDF attachment.
These are a few examples of what my presentation will explain when sharing the conceptual origins of Te Reo Māori. Te Reo Māori, like many indigenous languages was initially an aural language until the creation of the alphabet in 1815 at Cambridge University using the English alphabet.
Utilising the ‘rākau a te Pākehā’ , the quill, the pen, the ancestors were quick to express their sentiments and emotions via the written word. This has provided us with a window into their world, their reality, ‘ō rātou kainga waewae’ , whereby we can capture again, this unique understanding and perspective of a world epitomised in a word, articulated in the turn of a phrase.

2. O campeonato da língua: revalorização linguística e resistência política do povo Paumari (Médio Purus, Amazonas)
Reinildo Lopes da Silva Paumari, Zedequias Marques de Souza Paumari, Oiara Bonilla

Desde 2014, os Paumari organizam um grande encontro anual cujo objetivo é « revitalizar » sua língua materna. Idealizado por alguns professores paumari, ele foi pensado sob a forma de um torneio que opõe equipes formadas pelas nove aldeias da Terra Indígena Paumari do Lago Marahã (Rio Purus, Amazonas). O evento foi concebido como uma competição para atrair a atenção dos mais jovens e devolvê-lhes o « gosto pela língua e pela cultura paumari » já que essa geração está hoje mais atraída pelo mundo urbano, pela tecnologia e o consumo. Cada equipe/aldeia escolhe e apresenta uma história ao público. Esta deve ser narrada exclusivamente em Paumari, ilustrada e acompanhada de cantos e danças. Um jurado formado por membros de todas as aldeias avalia as apresentações a partir de quesitos linguísticos, estéticos e performáticos. O objetivo final do projeto é transformar cada história vencedora em desenho animado, elaborado pelos Paumari e falado em Pau
mari.
Após apresentarmos o projeto, descreveremos sua realização e as transformações observadas ao longo de seus cinco anos de existência. Mostraremos que suas consequências vão além do escopo estrito da ideia de revitalização linguística.

3. Kuin Kahab Mikahab – Quero comer, quero viver”: O povo Pataxó Hãhãhãe e a luta por sua língua
Reginaldo Ramos dos Santos

Neste trabalho apresento uma reflexão sobre a língua Pataxó Hãhãhãe e como foi feito os primeiros passos para despertar em toda a comunidade a vontade de reavivar o nossa língua que tem em seu cerne os valores ancestrais deixados por nossos guerreiros anciões que tombaram nessa terra para proteger o que hoje herdamos: a terra e a cultura. O povo Pataxó Hãhãhãe tem uma população de quase quatro mil indígenas e habita no Território Indígena Caramuru Catarina Paraguaçu, que faz divisa com os três municípios do sul da Bahia: Itaju do Colônia, Pau Brasil e Camacan. Até o ano de 1938, o povo Pataxó Hãhãhãe falava somente sua língua ancestral. Bahetá foi a última falante da língua, que viveu até o ano de 1992. A perseguição de destruição contra meu povo fez com que, de maneira forçada, deixasse de falar sua própria língua. Enquanto liderança indígena na educação escolar e tradicional que sou, bem como minha trajetória dentro e fora do meu território, busco desenvolver ações e estratégias com meu povo, para o reavivamento da língua Pataxó Hãhãhãe.

4. A luta pela resistência da língua Pataxó (Patxohã)
Clarivaldo Braz Ferreira

Neste apresentação falarei sobre o processo de luta retomada da língua do Povo Pataxó, o Patxohã, que já vem sendo mobilizado em todas as comunidades pataxó desde 1998, a partir da criação do Projeto de Documentação para o registro da cultura, história e língua pataxó. Além disso, explanarei como os cantos pataxó fortalece esse processo.
A retomada da língua tem contribuído para a fortalecimento da identidade étnica do povo pataxó, na valorização e aprofundamento da sua própria história que tem sido elencada como elemento importante nessa luta política pela afirmação da identidade, autonomia pataxó e ampliado para o conhecimento de experiências de políticas linguísticas locais de base comunitária, desenvolvidas pelos próprios indígenas.

5. Revitalização da Linguagem Kariri-Xocó/Kariri-Xocó Language Revitalisation
Idiane Cruz da Silva, Wmanamy Cruz Santos, Diane Nelson, Thea Pitman

Desde 1989, a comunidade indígena Kariri-Xocó do estado de Alagoas, Brasil, tem se envolvido em um processo único de revitalização cultural. Eles estão trabalhando para trazer de volta sua língua ancestral, Dzubukuá-Kipeá, baseando-se nas memórias comunitárias da língua através de canções e histórias, e preenchendo lacunas no vocabulário consultando arquivos históricos e comunicando-se com seus antepassados. Ícones gráficos são criados para cada palavra, acompanhados de uma tradução para o português, e circulados pelo WhatsApp para jovens e adultos Kariri-Xocó. Professores da língua indígena, apoiados por Nhenety Kariri-Xocó (o Guardião das Tradições), ministram aulas de língua duas vezes por semana para crianças, e os jovens e adultos estão recorrendo à língua Dzubukuá-Kipeá para criar novas músicas.

A colaboração do Projeto de Revitalização da Língua Indígena Kariri-Xocó inclui agora professores e líderes culturais da comunidade Kariri-Xocó, a ONG Thydêwá e pesquisadores acadêmicos do Brasil e do Reino Unido. As atividades do projeto foram expandidas para coletar um arquivo digital de materiais de linguagem, construir um site, e preparar materiais para um livro didático. Também planejamos organizar uma roda de conversa para identificar as necessidades e prioridades da comunidade na revitalização da língua e definir uma agenda de pesquisa colaborativa para o projeto no futuro.
Esta palestra contará a história da revitalização da língua pelos Kariri-Xocó. Vamos ver como uma comunidade indígena está aproveitando a mídia digital para coletar, criar, disseminar e ensinar sua língua como uma maneira de reivindicar uma base de sua identidade cultural. No contexto pós-colonial dos Kariri-Xocó, a revitalização de sua língua é um importante ato de resistência. Mas, por enquanto, é necessário que o processo seja realizado via português ou através de comunicação não-lingüística. Isso significa que a revitalização da língua Dzubukuá-Kipeá é um caso interessante para explorar a relação entre linguagem e identidade cultural, juntamente com as formas pelas quais as tecnologias digitais podem ajudar a apoiar tais iniciativas. No longo prazo, também estamos interessados em ver como os jovens e as crianças usam a língua Dzubukuá-Kipeá de maneira criativa tanto para se comunicar quanto para afirmar e celebrar sua identidade.

Nas palavras de Idiane Kariri-Xocó: ‘A língua para nós é muito mais que palavras. A língua indígena é diferenciada das demais pois emiti um poder de cura corporal e espiritual. A língua é a verdadeira identidade do índio, pois podem copiar seus vesti, sua pintura mais jamais copiaram sua força e energia que só o verdadeiro indígena tem. Quem acredita na ancestralidade não precisa de escola para ter uma grande e admirável sabedoria, pois em um simples adormecer vc pode acordar um professor sem nunca ter frequentado uma faculdade. A força ancestral é uma força inexplicável. Somos Kariri-Xocó: força e vigor do pássaro.’

Os autores do artigo serão professores de línguas da comunidade Kariri-Xocó e pesquisadores da Universidade de Leeds, no Reino Unido.

6. Revitalização linguística como uma parte fundamental dos trabalhos de documentação
Joseph Dupris, Frank José Carrasquilha Matos, Wilson de Lima Silva

Atividades de revitalização e preservação de uma língua são geralmente tratadas como atividades diferentes das atividades de documentação linguística. É comum que projetos de documentação seja visto como atividades que precedem as atividades de revitalização. Baseando-se em trabalhos que abordam a pesquisa por uma perspectiva indígena (i.e., considerando as perspectiva e idéias dos membros da comunidade indígena), nós exploramos alguns dos conceitos teóricos que guiam as práticas que utilizamos em nossos trabalhos de revitalização e documentação linguística com membros das comunidades indígenas em contextos distintos: um na América do Sul (com membros das comunidades Desana e Siriano) e um na América do Norte (com membros da comunidade Klamath). Primeiro, abordaremos os aspectos principais de nossa metodologia de trabalho, que trata as atividades de revitalização e documentação como um par de atividades que podem—e devem—ser realizadas juntas. Então apresentaremos algumas sugestões de como membros de comunidades indígenas podem exercer o controle local das atividades de pesquisa. Por fim, discutiremos, de maneira comparativa entre os dois contextos dessas comunidades, como as pesquisas com enfoque em revitalização podem, também, ser usados como uma atividade que beneficie a pesquisa documentação linguística, sendo assim, uma maneira de fortalecer os laços entre essas comunidades indígenas e as instituições de pesquisa envolvidas.

Communication sessions

Abstracts proposing to present and discuss theoretical questions and / or practical experiences in the area of ​​preservation and revitalization of indigenous languages will be considered for twenty minutes presentations.

NUMBER OF VACANCIES: 20

Communication sessions

1. Um instrumento de testagem para investigar o conhecimento linguístico de crianças bilíngues em comunidades indígenas
Wendy M. Leandro, Luiz Amaral

Muito tem se falado sobre a importância do ensino bilíngue em escolas indígenas em Roraima. Contudo, faltam programas curriculares de línguas indígenas bem plenejadas, materiais didáticos e formação adequada para que os professores possam lidar com as necessidades dos alunos que falam uma língua indígena além de português. Este trabalho apresenta a primeira versão de um teste de vocabulário para ser usado por professores das comunidades da região da Serra da Lua com o objetivo de avaliar o conhecimento linguístico de aprendizes de Wapichana na faixa etaria entre 5 e 8 anos. O estudo é baseado na elaboração de um teste de compreensão e um de produção. Durante o processo de validação dos testes enfocamos alguns procedimentos de validação de construto e de face. Nossos dados mostram que, além dos neologismos, as crianças que são fluentes na língua têm um bom conhecimento das palavras apresentadas nos testes. Além disso, os professores de língua wapichana e outros grupos de interesse aprovaram os testes, pois acreditam que foram preparados dentro da realidade das crianças e que são adequados ao seu nível de compreensão da língua.

2. Juntos somos mais fortes!
Gustavo Ferreira Silva, Damazinho Maxakali

Trata-se da iniciativa decorrente da articulação entre a Secretaria de Cultura do Município de Bertópolis-MG e comunidade indígena da etnia Maxakali – Aldeia Pradinho, que incluiu o ensino da Língua Maxakali no currículo das escolas municipais não-indígenas, ministradas por um professor da referida etnia, com metodologia própria. Até o presente momento, não se tem notícias de que haja no Brasil outro município que tenha incluído uma língua indígena como disciplina em suas escolas.
No sentido de garantir a continuidade da ação, foi articulada a aprovada Lei Municipal que torna obrigatória a inclusão da disciplina da Cultura Maxakali no currículo das unidades escolares de Ensino Fundamental I ( 1 ao 5 ano e EJA) de toda a Rede Pública Municipal no referido município.

3. A linguagem do ritual Apyãwa
Nivaldo Korira’i Tapirapé

O povo Tapirapé autodenomina-se APYÃWA, pertence à família linguística Tupi-Guarani, tronco Tupi. Habita o nordeste do Estado do Mato Grosso, a região do Araguaia, nos municípios de Confresa, Porto Alegre do Norte e Santa Terezinha. Este povo se distribui em dois territórios denominados Urubu Branco e Tapirapé/Karajá. O povo ainda mantém a sua língua materna, tradições, costumes e a sua organização social. Os Apyãwa têm uma experiência de vida exemplar de manutenção de sua língua materna que, até o momento está dando certo, porém, pouco conhecida nacionalmente e até mesmo regionalmente. O objetivo deste trabalho é mostrar que preservar uma língua é muito mais do que “falar” e sim fortalecer e valorizar o conhecimento que ela produz para um povo indígena. Considera-se a base de todas as sabedorias indígenas ou de uma sociedade. Neste artigo, abordamos a língua como um patrimônio principal de um povo indígena que mantem viva as suas práticas culturais, focalizando a linguagem dos rituais. O povo Apyãwa é sobrevivente de um desastre que quase o levou a extinção étnica e linguística no século passado que hoje tem uma experiência fantástica para dialogar com outros povos a experiência linguística fortalecida e valorizada. A escola é uma ferramenta fundamental que apoia esse trabalho com as crianças.

4. A vitalização da língua Kokama além das fronteiras entre o Brasil e Peru
Altaci Corrêa Rubim

É sabido que o povo Kokama está localizado na Amazônia Brasileira, Peruana e Colombiana. Entretanto, o foco do presente estudo está em apresentar a política de vitalização da língua do povo Kokama/Kukama-Kukamiria-KK, além das fronteiras entre o Brasil e o Peru, por lutarem juntos pela vitalização da língua de seus ancestrais. A Língua em prol da defesa dos territórios, dos rios, das matas, dos animais, das aves, dos peixes, ou seja, em prol da vida. Nessa perspectiva, o povo KK utiliza diferentes estratégias para vitalizar sua língua, como: as novas tecnologias com a utilização do celular (aplicativos: Kokama Tradutor, Wawa, Kukamate, Artesania Kukama, 5fish, Kumitsa, Farmácia Viva e Mitologia Kukama); animação: El origen del Pueblo Kukama e o jovem garça; vídeos: aprendiendo Kukama: peixes grandes e pequenos, aves, macaco, partes do corpo, jogos e vídeos de ikaros (cantos de cura, de proteção e agradecimento). Nesse processo, os KK produziram um vasto acervo de materiais didáticos KK de diferentes gêneros textuais (histórias em quadrinhos, paradidáticos com nomes de animais, frutas, coisas, aves, peixes, narrativas, comidas típicas e poesias); materiais didáticos: coletânea de ensino e aprendizagem, entre outros tanto no Brasil quanto no Peru. No Brasil, os professores KK, realizam anualmente encontros e oficinas para troca de experiências, saberes, materiais didáticos, aplicativos, danças e cantos com a colaboração das organizações do Brasil e do Peru, além de instituições parceiras e colaboradores. Atualmente, foi criada a Organização dos professores indígenas Kokama da Amazônia Brasileira e Peruana- OPIKABP com o objetivo de fortalecer a vitalização da língua KK entre ambos. Nesse sentido, a política de vitalização desta língua é realizada pelo próprio povo que entende que ensinar a língua é mais do que ensinar gramática, a fonética, a morfologia. Para Baktin (2003), ela representa uma gama de significados relacionados à vida dos agentes sociais. É o que os povos indígenas consideram como o espírito da língua ou a essência do que realmente se quer dizer ao ensinar uma língua. Dessa forma, o povo KK do Brasil e do quebram as barreiras políticas, linguísticas, culturais e geográficas para juntos vitalizar a língua de seu povo.

5. Revitalização e ensino da língua Puruborá
Mário de Oliveira Neto (Puruborá)

Nós, o povo indígena Puruborá, vivemos tradicionalmente na região Norte do Brasil, no atual estado de Rondônia. Desde o início dos anos 2000, estamos lutando para garantir nossos direitos enquanto povo originário. Atualmente temos uma escola indígena Puruborá e professores contratados para trabalhar o resgate e fortalecimento da língua e cultura Puruborá, no contexto educacional. A língua Puruborá não foi falada durante muitos anos, chegou perto de desaparecer. Atualmente somente duas pessoas bem idosas, meus tios, é que ainda possuem todo o conhecimento de falantes da língua. A partir de 2001, foi feito um trabalho de documentação dos saberes deles e de outros falantes vivos à época, coordenado por Vilacy Galucio, que ajudou a resgatar muitas informações sobre a língua. A partir desse contexto, irei relatar nossa experiência atual no processo de resgate da língua e cultura Puruborá e a motivação para realizar esse processo. Centrarei o relato, na minha experiência pessoal, minha motivação e vontade de aprender o pouco que existia de registro da língua Puruborá e depois continuar aprendendo com os mais velhos aquilo que eles ainda lembravam, e assim ser escolhido pelo povo para ser o professor indígena Puruborá. A partir da nossa experiência e do trabalho para que os alunos aprendam sobre nossos costumes tradicionais, mostrarei exemplos de como trabalhamos a língua, através de vídeos e livros, e de conversas com os mais velhos, sempre que temos oportunidade. Ilustrarei o relato com um canto Puruborá feito por nós, professores e alunos Puruborá, mostrando a importância para nosso povo do início do trabalho de recuperação da língua Puruborá, a partir do qual nossa cultura foi se fortalecendo muito. Esse processo foi de grande importância para nós, porque abriu nossos interesses para buscar mais informações sobre nosso povo. Com isso estamos conhecendo mais sobre nossa própria história, que para os mais jovens não existia mais.

Communication sessions

1. Watjuho Ja’a: revitalização linguística no povo Manoki (Iranxe)
Bernat Bardagil, Edivaldo Nãpuxi, Dário Kanuxi

O povo Manoki (também conhecidos como Iranxe) é uma nação indígena do vale do Juruena, no Mato Grosso. A língua própia dos Manoki é uma variedade da língua mỹky, uma língua isolada falada perto da área de alta diversidade linguística conhecida como Guaporé-Mamoré (Crevels e Van der Voort 2008). O objetivo dessa apresentação é discutir as estratégias sendo adotadas pelo povo Manoki para iniciar um processo a longo praço de retomar a língua própria entre os membros jóvens da comunidade.

A língua manoki, uma variedade diferenciada da língua mỹky, é falada hoje em dia por menos de 10 pessoas, a mais jovem das quais tem mais de 60 anos, sendo uma falante de uma geração que práticamente já não aprendeu a língua. A interrupção da transmissão da língua manoki vai ligada de muito perto á história de contato dos manoki. Conhecidos como iranxe e encontrados pela primeira vez pela expedição telegráfica na década de 1910 na sua terra de orígem, entre os ríos Papagaio e Sangue, os Manoki sofreram desde o início do século XX a violencia dos seringueiros na área. A pressão da fronteira colonizadora, em avance inexorável, também causou doenças infeciosas e um aumento nas tensões entre os diferentes povos vizinhos, inimigos tradicionais mas originalmente espalhados em uma área muito maior. O resultado foi uma dizmação dramática da população Manoki, que acabou achando refugio na missão jesuítica de Utiariti.

Na missão, as crianças Manoki e de outras nações indígenas foram colocadas em um internado, onde falar na língua indígena foi proibido e eles eram castigados se diziam alguma palavra que não fosse em português. A separação dos pais e a proibição de falar a língua causaram um genocídio cultural entre os povos indígenas da missão, que viram gerações inteiras crescer sem conhecer a língua própria nem a maioria dos elementos da cultura material e imaterial.

Hoje em dia, os Manoki se encontram em um momento de uma importante expansão da identidade manoki tanto geográfica como cultural. O povo Manoki começou em 2019 um processo de reaprender a língua manoki, falada hoje em dia por uns poucos anciões da comunidade. Essa retomada da língua própria se articula na criação de um coletivo para o estudo da língua manoki, o Coletivo Watjuho Ja’a “juntos pela língua”. Esse coletivo se ocupa da articulação de várias atividades centradas na revitalização da língua manoki, incluindo uma escola de língua organizada pelo linguista Bernat Bardagil (UC Berkeley). A partir do coletivo, se organizam encontros de estudo, se elaboram materiais para aprender aspectos vários da língua, e também está se promovendo uma iniciativa extensiva de documentação da língua manoki.

Finalmente, a apresentação vai se centrar nos enfoques adotados para aprender a língua. Esse processo tira inspiração de várias iniciativas semelhantes realizadas com sucesso por nações indígenas nos Estados Unidos ou no Canadá, incluindo uma adaptação do método Where Are Your Keys (WAYK).

2. A perda e a retomada do Guató
Kristina Balykova, Gustavo Godoy

O povo guató vive há tempos imemoriais no Pantanal e permaneceu com autonomia relativa desde o séc. XVI até o início do séc. XX, quando as fazendas invadiram a região. Os guatós não fundavam “aldeias”. Construíam moradas dispersas na beira do rio durante a seca. Mudavam-se para terras mais altas na cheia, e diferentes famílias podiam coabitar até a água baixar. As famílias se dividiam quando os filhos cresciam. O núcleo da preservação da língua guató, hoje quase extinta, eram estas famílias dispersivas.
Atualmente, os guatós ocupam a TI Guató (MS) e a TI Baía dos Guató (MT), além de outros locais. A primeira TI é morada de alguns idosos que tiveram contato efetivo com a língua. Porém, o guató não é primeira língua de nenhum jovem. Já idosos o lembram com diferentes competências. Os dois mais competentes, Vicente da Silva e Eufrásia Ferreira, moram fora das TIs.
Três caminhos contribuíram para a degradação da base social do guató: o celibato masculino, o casamento feminino com neobrasileiros e o apadrinhamento de crianças por fazendeiros. Nesta apresentação, ilustraremos a morte da língua guató, usando como o exemplo três gerações de uma família. A primeira geração – os finados irmãos João Quirino, Joãozinho e Zulmira – era bilíngue em guató e português, já a de seus netos é monolíngue em português.
A filha de João Quirino, Estelita casou-se com o guató Pedro e seus filhos usaram o idioma até a adolescência, sendo o último lote de guatós que aprenderam a língua em estágio natural. Quando Estelita morreu, as filhas foram levadas para Cáceres, onde esqueceram a língua materna.
Joãozinho, casado com a guató Sabina, teve quatro filhos homens, nenhum dos quais se casou. A filha caçula, Francisca, não aprendeu o idioma. Já a mais velha, Eufrásia, foi falante fluente e, hoje em dia, é uma das últimas lembrantes do guató e a nossa principal consultora. Porém, não transmitiu a língua para o filho Damião.
Zulmira, casou-se com um não-guató que proibia o uso do idioma. Por isso, seus filhos não foram falantes nativos. No entanto, aprenderam várias palavras com a mãe e outras falantes vizinhas. Já os netos de Zulmira só falam português.
Apresentaremos as trajetórias pelas quais a língua se degenerou, a partir de entrevistas com Vicência (neta de João Quirino), Eufrásia (filha de Joãozinho) e Alfredo (filho de Zulmira). Mostraremos como os processos gerais da perda linguística se concretizaram nas biografias desses guatós.
Além disso, trataremos das iniciativas de revitalização nas duas TIs. Na TI Guató, que abrigou alguns dos últimos falantes da língua, um trabalho de revitalização foi iniciado por Dalva Maria Ferreira, esposa do ex-cacique. Nos anos 90, ela cuidou de idosos falantes do guató e anotou palavras e frases, que resultaram em um pequeno vocabulário e em material para aulas de língua étnica. Mais recentemente, o professor Felipe Mendes também fez anotações junto a alguns lembrantes. Hoje em dia, a discussão mais acirrada entre Dalva Maria e os professores é sobre o jeito certo de escrever o guató, visto que não há ortografia padrão.
Na TI Baía dos Guató, mais recente do que a primeira, já não há nenhuma memória do idioma. Ao mesmo tempo, os guatós de lá veem a retomada da língua como um meio importante de afirmar sua identidade, que os fazendeiros vizinhos tentam negar nas disputas judiciais. Assim, a revitalização nessa TI começou pela demanda da comunidade, no âmbito de um projeto do CNPq. As duas oficinas realizadas em 2016 e 2017 resultaram em cartilhas. Em 2018, mais uma oficina foi organizada pela Funai-MT e Seduc-MT.
Percebe-se que essas iniciativas possuem caráter distinto, pois se originaram em contextos diferentes. Porém, elas compartilham o mesmo problema: a falta de material didático. Este problema será em parte resolvido com a produção de um dicionário multimídia, que estamos elaborando dentro do projeto PRODOCLIN do Museu do Índio.

3. Dicionário Sanöma-Português como ferramenta para o uso da língua Sanöma no atendimento à Saúde
Joana Autuori, Helder Perri Ferreira

Quase toda a população Sanöma é monolíngue em sua língua materna. Em decorrência da estrutura fornecida pelo Estado para o atendimento de saúde e educação e a presença do Exército com o Batalhão Especial de Fronteira localizado em Awaris, na Terra Indígena Yanomami, onde residem os Sanöma, o contato entre Sanöma e pessoas não indígenas vem se intensificando. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) mantém alguns postos de saúde na região, onde enfermeiros e técnicos de enfermagem passam cerca de quinzes dias por mês. Em cada comunidade, um Sanöma cumpre a função de Agente Indígena de Saúde (AIS) para atuar juntamente com os profissionais não indígenas. Apesar de os Postos de Saúde estarem localizados dentro das comunidades, a língua utilizada para a interação entre os Sanöma e os profissionais de saúde é o português. O contato cada vez maior com pessoas não indígenas faz com que o domínio da língua portuguesa seja uma ferramenta para a reivindicação de direitos de saúde, educação, defesa do território, e também de interação com o grupo socialmente dominante. O projeto Dicionário de Saúde Sanöma-Português, inserido no âmbito do Projeto Salvaguarda do Patrimônio Linguístico e Cultural de Povos Indígenas Transfronteiriços e de Recente Contato na Região Amazônica, promovido pelo Museu do Índio/FUNAI e UNESCO, vem em resposta à demanda da população Sanöma de aprender a língua portuguesa para poder dialogar com a sociedade não indígena. Hoje a população não indígena está presente no território Sanöma e aprender a língua portuguesa é uma estratégia de sobrevivência. Por outro lado, para oferecer serviços de qualidade, com a devida atenção às necessidades dos Sanöma, observando seu conhecimento, sua maneira de combater doenças, e de utilizar seu território, é fundamental que a população não indígena que presta serviços para essa população, seja incentivada e tenha material de apoio para usar a língua Sanöma – e não o português – na interação com esse povo. A utilização da língua Sanöma em detrimento do português pelos órgãos estatais é apenas uma das iniciativas que podem ser tomadas para a manutenção e o fortalecimento de sua cultura, no entanto, é uma iniciativa fundamental para que direitos básicos sejam respeitados.
Este trabalho de documentação e revitalização está sendo realizado por uma equipe intercultural composta por pesquisadores e sábios sanöma e pesquisadores não indígenas, e visa a elaborar um dicionário bilíngue sanöma-português e português-sanöma baseado em parte no livro Saúde Yanomami: Um manual etnolinguístico (Albert e Gomez, 1997) e na tese de Rosangela Bisserra (2006). A coleta e elaboração dos dados realizada por meio de smartphones pelos Sanöma é um diferencial deste projeto, que já conta com uma versão online e interativa do dicionário que pode ser visualizada e editada inclusive em smartphones.
Com este projeto, os pesquisadores envolvidos esperam, por um lado, que a língua Sanöma seja incorporada pela equipe de atenção à Saúde dos Sanöma, tanto nas comunidades Sanöma, quanto nas cidades. Por outro lado, há o objetivo de que os Sanöma aprimorem o conhecimento de português na área de saúde a fim de se comunicar com a equipe de saúde.

4. Documentando Narrativas Tradicionais em Yaathe
Elvis Ferreira de Sá (Coletivo Fulni-ô de Cinema)

Este trabalho apresenta resultados de um projeto de documentação da língua indígena brasileira Yaathe. O trabalho apresenta um breve histórico do povo indígena Fulni-ô, colocando em evidência a resistência dos Fulni-ô e a sobrevivência de seu idioma Yaathe em meio às fugas para os seus rituais secretos, discute as bases teóricas da documentação linguística, focando procedimentos que visam a envolver as comunidades indígenas afetadas no trabalho de documentação, descreve os procedimentos metodológicos de pesquisa na área de registros de línguas, com o uso do aparato tecnológico disponível, expondo assim as maneiras como foi feita a coleta de dados em áudio e vídeo, aplicando esses procedimentos ao trabalho de registro das narrativas dos anciãos e descrevendo como o trabalho foi realizado, ilustra a documentação realizada com os velhos Fulni-ô, apresentando amostras dos arquivos resultantes da documentação: como foram transcritos e anotados, por exemplo. Por fim, apresenta comentários sobre os dados coletados, apontando para a importância de estudos linguísticos subsequentes. Este trabalho objetivou colocar em evidência a importância da revitalização da tradição oral do meu povo, em conectividade com as novas tecnologias correspondente da documentação, buscando a manutenção, revitalização e preservação da língua Yaathe.

5. Metacognição gramatical: o caso das oficinas de produção de gramática pedagógica Karajá
Cristiane Oliveira, Chang Whan, Leandro Lariwana Karajá

Esse trabalho busca apresentar o resultado do trabalho de produção da Gramática Pedagógica da língua Karajá (Museu do Índio/Unesco) (OLIVEIRA et al. 2014) e refletir como a metacognição acerca de processos gramaticais pode auxiliar o professor de língua materna das comunidades Karajá. Metacognição é descrita como o conhecimento sobre processos cognitivos e é reconhecida como um dos pilares do aprendizado (BRANSFORD et al. 2000). A reflexão metacognitiva da capacidade linguística humana e da produção e compreensão de uma língua específica está presente nos programas de formação de professores de língua ao redor do mundo (DYPEDAHL, 2018). Entretanto, uma das perguntas com a qual nos deparamos quando discutimos o ensino de língua materna nas escolas é: Por que ensinar um conhecimento já internalizado? Por outro lado, dificilmente nos questionamos quando buscamos compreender outros processos igualmente naturais e/ou inatos, tais como: divisão celular, oxidação, transformações sociais, etc. Assim, a busca pela compreensão do mundo que nos cerca e dos nossos próprios processos biológicos e mentais é parte incontestável da trajetória do conhecimento humano e escolar. Nessa perspectiva, Honda & O’Neil (2008) discutem como a reflexão metacognitiva de estruturas gramaticais pode ser uma poderosa ferramenta para professores do ensino básico. Os autores ressaltam que a metacognição de processos gramaticais não se restringe a processos estritamente linguísticos, mas também contribui para a compreensão de cognições de interface, tais como: classificação, quantificação, teoria de conjuntos, lógica etc. Assim, apesar da metacognição linguística não ser requerimento para aquisição de uma língua (CHOMSKY, 1986), é uma ferramenta poderosa que deve estar disponível para professores e estudantes (MAIA et al., no prelo). E, no âmbito das línguas indígenas, pode ser crucial no atual contexto ecolinguístico e político-educacional, pois provê argumentos científicos para combater o preconceito linguístico e refutar proposições errôneas, tais como: a gramática do português é mais difícil ou complexa do que a das línguas indígenas. Por isso, as oficinas de produção de gramática pedagógica nas aldeias se configuraram como um importante momento de reflexão e aprofundamento das características gramaticais do Karajá pelos professores e pesquisadores envolvidos. Por fim, cabe salientar que metacognição gramatical pode ser uma ferramenta poderosa para a manipulação consciente da informação linguística (MAIA, 2019) – ou para uma reflexão profunda da informação manipulada. A não distribuição de tal conhecimento beneficia a poucos, e pode ser fatal para o futuro de uma nação democrática e inclusiva.