Sessões de pôsteres

Dia 1
12 nov 2019
Dia 2
13 nov 2019
Dia 3
14 nov 2019

Sessão de Pôster 1

Macuxi e Wapichana: políticas linguísticas na implementação da lei de co-oficialização
Jan Pöhlmann, Lisiane Machado Aguiar

O objetivo desse trabalho é analisar as políticas linguísticas na implementação da Lei de Co-oficialização e compreender os processos que incentivaram os municípios a realizarem esse procedimento legislativo. Contemplando o histórico Brasileiro de instituir um monolinguismo em Português, o processo de co-oficializar línguas locais significa um movimento pioneiro. A lei prevê a transformação de municípios inteiros em espaços multilíngues, incluindo: emissão de documentos oficiais, atendimento nos órgãos públicos e adaptação de sinalização pública. Para o estudo aprofundado dessas especificidades foram coletados dados no município Brasileiro em Bonfim/RR com a presença de dois povos indígenas, falantes de Macuxi e Wapichana). Constatou-se que com a implementação da Lei da Co-oficialização há o fortalecimento na luta de falantes de línguas locais pelo direito de se expressar na língua da sua escolha.
No município de Bonfim, as línguas Macuxi e Wapichana são faladas quase exclusivamente nas comunidades indígenas. Na cidade de Bonfim não existe nenhuma placa com palavras escritas nos idiomas mencionados (há de se reconhecer que na cidade inteira não existe quase nenhuma placa no espaço público, nem em Português).
Em um evento escolar chamado “Festival de línguas” foram apresentadas as línguas que são faladas na região e/ou ensinadas na escola, por exemplo, Espanhol, Inglês e Português. As línguas indígenas não tiveram nenhum espaço no festival. Elas pareciam não existentes no ambiente urbano e escolar.
Na Universidade Federal de Roraima (UFRR) em Boa Vista, a mais de 100 km de distância da cidade de Bonfim, foi fundada uma instituição específica para indígenas, o Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena, no ano de 2001. Ali são formados professoras e professores para dar aulas bi- ou multilíngues nas escolas básicas das comunidades indígenas do Estado.
Várias edições de dicionários para essas línguas foram lançadas, desde 1983: o primeiro dicionário e livro didático para a língua Macuxi foi escrito por Pira e Amodio. Cadete criou um dicionário para a língua Wapichana em 1990. Em 2012, foram lançados novos dicionários para as duas línguas, dos(as) autores Da Silva, De Souza Silva e De Oliveira; dessa vez aparentemente sem influência da igreja. Eles são usados no ensino de línguas nas comunidades e na UFRR na formação de professores(as). Um entrevistado denominou a lei como o “carimbo para o movimento que já estava em andamento”. Muitas metas já foram conseguidas antes da implementação da lei – como a integração das línguas na escola. Nem todos os parágrafos da lei são realizáveis para trazer efeitos imediatos. Mas é significativo para os municípios a existência de um documento que legaliza o uso das línguas e possibilita o combate legal à discriminação linguística.
Se as línguas conseguirão estabelecer uma posição mais prestigiosa na paisagem linguística brasileira e se impor ao lado da língua portuguesa será avaliável no futuro, provavelmente quando tiver uma geração formada nas línguas co-oficiais dos municípios. O movimento já conseguiu fortalecer um caminho promissor à auto-afirmação dos e das falantes das línguas locais. Um retrocesso seria improvável. A diversidade linguística do Brasil se tornou oficialmente real.

Tipologia linguística: marcação morfológica, alinhamento e ordem de constituintes da língua Wapixana
Thaygra Manoelly Silva de Pinho

A maioria dos pesquisadores da língua Wapixana concorda quanto às características tipológicas da morfologia da língua, afirmando que esta seria Polissintética, pois apresenta grande quantidade de morfemas junto ao verbo. Giovannetti e Basso (2018) afirmam que isso é controverso, entretanto, não apresentam outra visão para tal discussão.
Assumindo a língua colo Polissintética, observamos que há preferência clara por sufixos, tanto nos verbos quanto nos nomes, há a ocorrência de prefixos, mas não com a mesma frequência que os sufixos. Assim, as classes/categorias que possuem sistema aberto são os nomes, verbos, adjetivo e advérbio. A respeito das marcações morfológicas menos comuns (infixos, modificação de raiz, reduplicação, modificação não-linear/suprasegmental), os dados analisados da língua, não apresentam esses tipos de marcações, apenas apresentam pouca ocorrência de modificação de raiz, geralmente relacionada aos classificadores da língua, como: kabain ‘casa’, un-dap (1SGR-CL:habitação) ‘minha casa’.
Na língua Wapixana não há padrão predominante de marcação morfológica no sintagma nominal, quando se trata de posse pronominal, pois essa marcação pode ser feita tanto através de morfemas livres como de morfemas presos com a mesma ocorrência, como podemos perceber nos exemplos abaixo:
(03)
a) Kaziwe-’u ungary kuduru mynymyn
Dor-ADJR 1SG joelho? ontem
‘Ontem meu joelho estava doendo.

b) Ungary saadpa-n un yy
1SG escrever-VR 1SG nome?
‘Estou escrevendo meu nome’

c) Kuwaipyd chia-n un-kawarun
Tapium ferrar-VR 1SG-cavalo
‘O tapium ferrou o meu cavalo’ (espécie de caba- abelha)
Em relação a 2 pessoa do singular, a língua Wapixana também possibilita a posse por morfemas presos e morfemas livres, sendo as duas formas bastante frequente. No exemplo (05a), percebemos que o morfema preso py- ‘você’ marca o núcleo do SN de posse, em que tabay ‘perna’ é o núcleo, sendo assim, temos marcação de núcleo, H-marking. Nos exemplos (05b, c), a posse é marcada pela ordem, pois não há marcação morfológica no GEN e nome possuído, dessa forma, temos marcação zero.
(05)
a) Aka’a! Py-bazi-ku-d-a-n nii py-tabay
Cuidado! 2SG-unha-?-VR-EP-MI NPRS 2SG-perna
‘Cuidado! Você vai arranhar sua perna’

b) Wyry’y Sampa py daru idiwey
DEM enxada 2SG mãe POSP
‘Essa enxada é da sua mãe’

c) Kainha’a nai pygary zuay dia’a
EXIST piolho 2SG cabeça POSP
‘Na sua cabeça tem piolho’
A língua Wapixana marca posse por pronomes no plural de 1 pessoa, assim como faz com a posse em singular, através de morfema preso e livre. Dessa forma, tendo marcação head, exemplo (07a), como também marcação zero, exemplo (07b). Conforme os exemplos abaixo:

(07)a) Ata’azuu wa-y-na-u iriben-na-u kaawa-n
Perto 1PL-?-DÊIT-PL parente-DÊIT-PL chegar-VR
‘Está perto de nossos parentes chegarem’

b) In-nha-u dubat nii wa-wiiz baara’a-n
3-DEIT-PL passar NPRS 1PL-lugar comunidade-POSS
‘Eles passaram na nossa comunidade’
observamos que a tipologia morfológica da língua Wapixana é assim estruturada: a) é uma língua polissintética, com preferência para sufixos, não apresenta infixos, modificações não linear/suprasegmental, b) apresenta pouca modificação de raiz quando há construção de posse com classificadores como: kabain ‘casa’ e un-dap (1SG-CL:habitação) ‘minha casa’, c) e ainda pouco ocorrência de reduplicação de raiz nominal: kaimen ‘bem’ kaimen-aimen (bem-RED) ‘cuidado ~ muito bem’.
A respeito do alinhamento da língua Wapixana, Santos (2006) afirma o sistema nominativo-acusativo, através de exemplos pronominais, entretanto, nos dados analisados não encontramos diferencia entre os pronomes em posição de S, A ou P, sendo assim, são necessários mais dados para poder afirmar algo sobre o alinhamento em relação aos pronomes. Já sobre o alinhamento levando em consideração ao léxico, também não observamos qualquer diferença entre S, A ou P, portanto classificamos como alinhamento neutral.

Raízes indígenas: contextos, saberes e conexões entre mundos através da linguagem
Camilla Correia Freitas, Carla Eugênia Nunes Brito, Maria Izabella Matos Santos

O interesse em aprender a língua portuguesa no ensino regular é permeado de muitas lamúrias e queixas, pois os estudantes relatam sentir muita dificuldade em aprender a junção e aplicação de todas as regras que norteiam o funcionamento desta língua. O processo de ensino e aprendizagem (como um todo e principalmente no ensino da língua portuguesa), na maioria das escolas, ainda é regado de métodos arcaicos que colocam o professor na posição de detentor do conhecimento e muitas vezes exclui a participação ativa do indivíduo. Alguns professores e instituições de ensino ainda utilizam métodos que não valorizam o aprendizado real, fazendo o estudante decorar sem entender a lógica e os porquês de cada especificidade da língua portuguesa.
Para a quebra desse paradigma vêm surgindo novas metodologias de ensino que colocam o estudante como protagonista do processo de aprendizagem e dão significado aos objetos de conhecimento. A exemplo, e que foram aplicadas neste estudo, temos a utilização de metodologias ativas de aprendizagem (mais especificamente, o peer instruction e aprendizagem maker com a utilização de tecnologias digitais e comunicação e informação) para a retomada, revitalização, valorização e preservação de línguas indígenas associadas à língua portuguesa no Colégio de Orientação e Estudos Integrados (COESI). O projeto mencionado segue os programas da Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas (UNESCO). são programas que contribuem para a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos na Agenda 2030, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 2015. O Programa de Escolas Associadas (PEA-UNESCO) tem por objetivo principal criar uma rede internacional de escolas que trabalhem pela ideia da cultura da paz. Suas atividades estão voltadas a um tema central, que é o Ano Internacional proposto pela Unesco, e para o ano de 2019 lançou o Ano Internacional das Línguas Indígenas (International Year of Indigenous languages – IYIL2019) a ser comemorado pela UNESCO ao longo do ano.
O COESI, alinhado à UNESCO e totalmente integrado ao tema PEA-UNESCO 2019 – ano internacional das línguas indígenas, desenvolveu o tema norteador das ações pedagógicas a serem desenvolvidas em 2019, a exemplo o Projeto “Aracaju”. Que foi desenvolvido a fim de estabelecer as contribuições e influências promovidas pelos povos indígenas em Aracaju, pois historicamente a cidade nasceu a partir de uma aldeia indígena. Por volta do ano 1000 e com a chegada de novos povos aconteceram as transformações no território e os povos indígenas migraram para outras regiões, sendo necessário o estudo para resgatarmos a cultura dos povos indígenas e principalmente sua língua materna.
O estudo sobre a língua materna dos povos indígenas que viviam na cidade se dará pela construção de uma linha do tempo colaborativa entre os alunos do 7º ano do ensino fundamental. O principal objetivo do estudo é proporcionar aos alunos do COESI o entendimento sobre a importância da linguagem, as contribuições das línguas indígenas e como suas aplicações se perpetuam no espaço em que vivemos e tempo, as relações entre a língua indígena e a língua portuguesa em Sergipe. Todos esses aspectos já estão sendo trabalhados através da construção do conhecimento de forma prática, garantindo que o estudante tenha uma experiência de vivência com as comunidades indígenas locais e suas influências no ambiente em que estamos inseridos.
A relevância projeto é a construção do conhecimento da diversidade cultural (que envolvem não somente a linguagem) garantindo uma aprendizagem significativa. Além disso, visa retomar, revitalizar, valorizar e preservar as de línguas indígenas associadas à língua portuguesa no Colégio de Orientação e Estudos Integrados e no cotidiano do aluno COESI, perpetuando-se durante a trajetória de vida dele.

Criações endógenas no Kaingang como estratégia de preservação lexical
Fabiana Alencar da Silva, Gean Damulakis

O léxico de uma língua está em constante inovação e uma das causas é o contato linguístico a que está sujeita. Esse contato é um dos aspectos mais perceptíveis da interação entre culturas distintas, o que é capaz de gerar transformações socioculturais e contribui para o surgimento de mudanças linguísticas. Essas transformações, nas quais os falantes estão inseridos, fazem com que, por exemplo, ao lado de outras consequências para a língua, palavras entrem em desuso e que outras, em contrapartida, passem a existir. No contexto brasileiro, em muitos casos, a situação de contato do Português Brasileiro (PB), língua oficial no país, com as línguas indígenas, causa uma relação assimétrica, possibilitando o aumento de empréstimos e outras inovações lexicais nessas línguas. Esse é o caso do Kaingang – família Jê, tronco Macro-Jê (Rodrigues, 1986) – do qual grande parte da população possui um alto grau de bilinguismo e, muitas vezes, torna-se monolíngue em PB. Diante desse cenário, objetivamos aqui promover uma reflexão acerca de dois processos, em princípio concorrentes, de inovações lexicais no Kaingang: os empréstimos e as criações endógenas (Damulakis & Silva, no prelo). Ao lado de muitos empréstimos encontrados, tanto adaptados fonético-fonologicamente (por exemplo, aro[j]), quanto diretos (por exemplo, bi[s]i[kl]eta ‘bicicleta’, com os segmentos [s] e [l] e o cluster [kl] inexistentes em Kaingang), também encontramos o que estamos denominando como criações endógenas (Damulakis & Silva, no prelo). Essas criações funcionam como uma expansão lexical utilizando-se apenas de recursos da língua criadora, que se mostram como uma alternativa à adoção de empréstimos, em situações de contato linguístico-cultural. Um exemplo de criação visto nessa língua é o caso de goj kron fã, (literalmente: “bebedor” de água), para a nomeação dos referentes ‘bebedouro’ e ‘garrafa’. Baseando-nos na metodologia sociolinguística (Labov, 1963; Weinreich, Labov & Herzog [1968], 2016), nossa proposta principal para este trabalho é mostrar alguns dados de criação endógena em competição com os de empréstimos, que podem indicar uma atitude linguística (consciente ou inconsciente) dos falantes pela preferência da primeira estratégia. Para isso, apresentaremos resultados preliminares de estudo em tempo aparente realizados nas Terras Indígenas de Nonoai e de Serrinha (Rio Grande do Sul), em 2016 e 2018, buscando verificar se há variação estável entre os empréstimos e as criações endógenas, tomados como processos, ou se está em algum estágio de mudança em curso. Além disso, mostramos uma análise comparativa preliminar de alguns dos nossos dados coletados com registros encontrados em listas vocabulares, como no Vocabulário da língua bugre (1852), Teschauer (1905) e no dicionário de Wiesemann (2002) com os nossos dados, coletados com o intuito de mapear as possíveis mudanças ocorridas com o efeito do contato linguístico. Desejamos, com a nossa pesquisa, suscitar discussões a respeito do léxico do Kaingang que possam contribuir para a manutenção da língua. Dessa forma, fornecemos subsídios que podem ser relevantes para, por exemplo, a formação de professores Kaingang, uma vez que tornar conscientes esses processos e oferecê-los (aos professores em formação, e, consequentemente, aos alunos nas escolas) poderá fazer com que a criação endógena sirva como mais uma ferramenta aliada na preservação de elementos lexicais da língua minorizada, fortalecendo o Kaingang e inspirando exemplos similares em outras etnias.

Valorização cultural e o ensino na língua indígena Macuxi na Escola Indígena José Marcolino
Adine da Silva Ramos, Alessandra Souza Santos

O presente artigo é oriundo do projeto de pesquisa Valorização Cultural através do Ensino da Língua Indígena Macuxi na Escola Indígena José Marcolino, desenvolvido ao longo do curso de Especialização em ensino de Línguas em Contexto de Diversidade, sob a orientação da Professora, Dra. Alessandra de Souza Santos. O objetivo central é trazer a discussão sobre a valorização cultural através do Ensino da Língua Macuxi. A metodologia desenvolveu-se a partir de uma oficina sobre a pesquisa, desenhos e construção de nomes de animais existentes na comunidade, com 10 alunos do 5º ano do ensino Fundamental da Escola Indígena José Marcolino. A construção do trabalho foi fundamentada com os autores PIMENTEL DA SILVA, 2001; BRITO, Maria Edna de, 2015; MAIA, Marcus, 2006, 2012, que nos deram o suporte para a elaboração e a aplicação do trabalho. O artigo está dividido em quatro partes: 1) Introdução, 2) Práticas Culturais e o Uso da Língua Indígena, 3) Ensino da Língua Macuxi na Escola José Marcolino como uma questão Ideológica 4) Metodologia e 5) Considerações Finais. As partes 2,3 e 4 compreendem o desenvolvimento propriamente dito do artigo.

Pode a constituição de corpora eletrônicos contribuir para a revitalização linguística? As ambições de um projeto
Lílian Teixeira de Sousa

Ao observar as experiências de revitalização linguística no mundo, fica evidente que se trata de um plano complexo, em que há diferentes realidades de manutenção e perda linguísticas que interferem diretamente no planejamento do projeto de revitalização, como o número de falantes, o contexto de uso da língua ou seu status. Além dos diferentes cenários possíveis, considerando as particularidades de cada experiência, há ainda fatores de ordem político-econômica que podem interferir no processo, haja vista casos bem sucedidos de línguas antes extintas que voltam a ser faladas e também tentativas frustradas de recuperação de prestígio de línguas vivas. Diante de toda a complexidade que projetos de revitalização podem envolver, há que se pensar em alternativas que permitam planejamentos de longo prazo. É nesse sentido que pensamos na constituição de corpora eletrônicos como uma possível aliada na revitalização ou retomada linguística e apresentamos os objetivos e resultados parciais do projeto “As línguas do Brasil colônia: um estudo sobre as descrições de línguas indígenas e africanas faladas no Brasil durante o período colonial”. Esse projeto surgiu a partir do contato com a aldeia indígena dos kiriri, no distrito de Banzaê-BA, após um projeto de extensão que buscava dar subsídios teóricos aos professores de línguas das escolas indígenas. Como é sabido, das comunidades indígenas do Nordeste, apenas os Fulni-ô mantêm a língua original, todas as outras línguas foram perdidas no processo de homogeneização linguística vivenciado no Brasil desde o decreto de Pombal. No caso dos kiriri, a perda da língua original data da guerra de Canudos, na qual teriam morrido os últimos falantes. Após a iniciativa dos pataxós, no entanto, alguns indígenas kiriri começaram a pensar numa possível retomada linguística tendo como ponto de partida os documentos produzidos pelos jesuítas, sendo de conhecimento deles o catecismo de Nantes e a gramática de Mamiani. Segundo apontam, esses documentos são, no entanto, de difícil compreensão, o que evidencia que o simples acesso à edição histórica desses documentos não os ajuda, especialmente porque há, nesses documentos, uma série de elementos, desde o uso de diacríticos até a tradução em português “antigo”, que dificultam sua compreensão. Foi assim que nasceu a ideia de produzir edições que tornassem o material histórico produzidos em línguas indígenas (e mais tarde em línguas africanas) mais acessível. Dessa forma, foi estabelecido como objetivo geral do projeto a produção de edições eletrônicas com anotação morfológica e tradução para português brasileiro (também espanhol e inglês) dos catecismos em kipeá, dzubukwá, tupi, guarani, quimbumdu, quicongo e gbe. Esse objetivo se desdobra em outros, como criar ferramentas de anotação automática que possam ser adaptadas para outras línguas, aprofundar o conhecimento sobre esses documentos de forma a permitir também a produção de edições críticas e gramáticas pedagógicas, além de formar especialistas. O projeto já está com a edição do catecismo guarani (Montoya) em processo de finalização e conta com a colaboração de diversos pesquisadores, linguistas especialistas em línguas indígenas e africanas, profissionais de linguística computacional e cinco bolsistas de iniciação científica.

A monitoria indígena como ferramenta de ensino e aprendizado: desafios na formação docente
Gustavo Kanokrã Xerente, Tatielly Almeida da Silva, Neila Nunes de Souza

O presente texto reflete sobre a monitoria dos estudantes indígenas no ensino superior, de modo específico na Universidade Federal do Tocantins – UFT campus de Porto Nacional. Tem por objetivo refletir no processo de ensino, aprendizagem, inclusão e de permanência dos indígenas no meio acadêmico. O programa de monitoria nas Universidades Federais no Brasil tem como maior contribuição à melhoria da qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão. Desse modo, ao pensarmos no processo de ensino, essa prática educacional leva o professor-orientador a envolver o monitor em todo o processo de estruturação de uma aula, desde o seu planejamento até a etapa da avaliação (FRISON; MORAES, 2010). A partir disso, destacam as demandas, experiências e dificuldades vivenciadas no meio acadêmico, a partir das reflexões obtidas por meio da monitoria indígena na UFT, no ano de 2018, no curso de Licenciatura em Letras. Este estudo possibilitou uma visão mais ampla sobre a importância de uma monitoria acadêmica para a formação de professores indígenas visando melhorias na qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão no âmbito universitário. Percebe-se a necessidade de estudos na área, uma vez que trabalhos abordando esse cenário ainda são pouco explorados nas instituições educacionais.

A Web como ferramenta de suporte à preservação e à revitalização linguística
Evandro L.T.P. Cunha

Diversas fontes (e.g. FISHMAN, 2001; HINTON, 2001) têm atestado os riscos sofridos por línguas minoritárias ao redor do mundo. De acordo com estimativas da UNESCO (MOSELEY, 2010), acredita-se que mais da metade das aproximadamente sete mil línguas faladas hoje no planeta estará extinta ao final do século XXI. No Brasil, tendo em vista o silenciamento que sofre a diversidade linguística, o cenário é especialmente preocupante: apesar do alto número de línguas indígenas faladas no território nacional, grande parte delas encontra-se ameaçada de desaparecimento no espaço de poucas gerações. Diante dessa realidade, a crescente (e urgente) necessidade de se preservar e revitalizar línguas em risco de extinção exige a utilização de todas as ferramentas disponíveis. Embora um dos vários fatores que propiciam a difusão de línguas majoritárias em detrimento de línguas minoritárias seja a expansão do acesso à Internet ao redor do globo (KORNAI, 2013), esse mesmo recurso tem sido útil no processo de documentação e preservação de variedades linguísticas em perigo, tanto como plataforma para páginas institucionais dedicadas ao arquivamento de textos orais e escritos (e.g. Endangered Languages Project, Living Archive of Aboriginal Languages, entre diversas outras) quanto por meio de iniciativas individuais ou coletivas que visam incentivar o uso dessas línguas em ambientes digitais. Nesse contexto, páginas da Web, blogs, fóruns e redes sociais online têm sido usadas como “praças virtuais” nas quais essas línguas ganham voz, sendo importantes para sua conservação e seu revigoramento. Neste trabalho, serão apresentados estudos de casos em que a Web tem se mostrado uma eficaz ferramenta de suporte à preservação e à revitalização de línguas em perigo ao redor do mundo. Serão destacados: (a) a crescente bibliografia acadêmica acerca do uso de variedades linguísticas minoritárias em redes sociais online e em aplicativos de mensagens instantâneas, como Facebook, Twitter e WhatsApp; (b) os princípios do Digital Language Diversity Project (DLDP), que visa fortalecer o uso de línguas minoritárias europeias na Web; e, por fim, (c) o projeto Web Indígena (D’ANGELIS, 2011), que tem como foco a inclusão de línguas indígenas brasileiras e de suas comunidades no mundo digital. O objetivo da comunicação será demonstrar que a presença de uma língua em ambientes digitais pode propiciar-lhe prestígio em virtude da valorização provocada pela sua participação no cenário global da Internet, resultando assim na ampliação da estima dos falantes pela própria língua. Considera-se, entretanto, fundamental a intensa participação e envolvimento da comunidade de falantes na criação e compartilhamento de conteúdo na língua, para que esse processo não se transforme em (mais) uma “invasão tecnológica” unilateralmente imposta. Entende-se que, apesar do cenário de incertezas, a Web pode oferecer caminhos, oportunidades e possibilidades para o suporte à manutenção da vitalidade de variedades linguísticas minoritárias, dentre as quais as línguas indígenas brasileiras, contribuindo assim para a promoção da diversidade linguística e para a salvaguarda desse patrimônio imaterial da humanidade.

Práticas de ensino interdisciplinar Inglês x Patxohã, na Escola Indígena Pataxó Coroa Vermelha
Lucicleia Santos Batista

O trabalho objetiva retratar experiências de ensino-aprendizagem da Língua Inglesa a partir do vocabulário e cultura Pataxó, na Escola Indígena Pataxó Coroa Vermelha, onde a autora, atua como professora das turmas de Ensino Fundamental II, da Disciplina de Língua Inglesa. Serão expostas evidências de atividades construídas e a percepção de seu impacto na revitalização do Patxohã – Língua Pataxó – na comunidade escolar.

Projeto: Diversidade e Pluralidade Cultural na sala de aula – PIBID Letras UFSCar
Geovane Pankararú, Sandra Gatollin, Amanda Post da Silveira

Esta proposta visa relatar os resultados do meu projeto como bolsista PIBID, desenvolvido em uma escola da rede pública estadual, no interior do estado de São Paulo. O trabalho consistiu numa dinâmica interativa para desenvolver narrativas orais em língua portuguesa, provocando impactos na formação do aluno, por meio do relato de suas realidades e assim diminuindo atitudes preconceituosas. Através da construção de narrativas, pretendeu-se promover a aceitação das diferenças e a compreensão de diferentes culturas, etnias e organizações sociais. Segundo Gomes (2007), as concepções atribuídas à diversidade cultural são relacionadas à construção histórica, cultural e social das diferenças, de modo que os diferentes contextos sejam compreendidos por meio do processo histórico cultural. Assim, entende-se que para tratar da diversidade é preciso compreender o contexto em que os alunos vivem e, a partir de suas vivências, fazer relações entre as suas referências culturais e a diversidade cultural brasileiras. Neste trabalho objetivou-se compreender a presença da cultura e de povos indígenas que fazem parte da grande diversidade do nosso país, bem como reconhecer as diferenças entre as etnias indígenas, ao mesmo tempo que esta prática gerou a construção de narrativas orais. Os participantes foram alunos de 8º e 9º ano do Ensino Fundamental em um total de 140 alunos com idades entre 13 e 16 anos. Os encontros foram semanais, durante 4 meses do primeiro semestre do ano corrente, nas disciplinas de História e Língua Portuguesa. A temática indígena foi introduzida inicialmente por meio de uma sondagem dos conhecimentos prévios dos alunos, investigando o que eles sabiam sobre a mesma. Neste sentido, foi exibido o vídeo documentário da TV Escola “Índios no Brasil” – Cap 1 “Quem são eles?” de 17 minutos e 37 segundos de duração, discutindo a maneira como a imagem do indígena era construída a partir da fala das pessoas no vídeo. Foi trabalhada a música “Chegança” de Antônio Nóbrega, para reafirmar a diversidade de povos indígenas no Brasil e as particularidades que cada etnia possui. Foram realizadas rodas de conversa sobre os diferentes povos indígenas brasileiros, destacando algumas etnias que se fazem mais presentes na UFSCar. A atividade proposta para os alunos foi a realização de um trabalho de pesquisa a respeito das etnias indígenas, que deveria ser apresentado oralmente na última aula do primeiro semestre de 2019. Com esta proposta de trabalho, notou-se que os estudantes compreenderam a diversidade de povos indígenas e entenderam que cada povo vive em contextos diferentes, com costumes que precisam ser respeitados. Conclui-se que o tema é de fundamental importância, para o ensino de narrativas orais, e, mais que isso, merece ser discutido interdisciplinarmente nas escolas para que o conhecimento e a cultura estejam interligados na formação de um cidadão crítico e conhecedor da pluralidade e diversidade de culturas que estão ao seu redor.

A língua dos línguas
Eduardo Braz Marinho Rolim

O patxohã é um sistema de elaboração e ressignificação, reprodução e reconstrução linguística pataxó, que reforça o intuito de reafirmação étnica que mobiliza esforços de resistência política por parte de sua coletividade. Este processo foi iniciado em 1998, por um grupo de pesquisadores pataxó chamados atxohã que decidem retomar a antiga língua falada pelo povo antes dos processos de aldeamento e os supervenientes sistemas de impedimento da possibilidade de falar a língua indígena nativa, como projeto de suplementação e imposição da língua portuguesa em todo território nacional. Importante notar que este é o período em que ocorria algumas demarcações territoriais em favor do povo pataxó da Costa do Descobrimento, que voltavam aos territórios tradicionalmente ocupados e estavam motivados ao resgate de suas tradições e entre elas, de sua língua própria.
Língua é expressão usada pelos mais velhos que identificavam aqueles que ainda sabem falar a língua dos pataxó e que, por isso, tiveram papel fundamental na reconstrução idiomática e nos processos de tradução das palavras e expressões, o que eles chamam de cortar na língua (BOMFIM, 2017: 314).
Em 1992, o ensino da língua tradicional pataxó começou a ser ensinado por Antonio Arawê, professor da cadeira de “língua e cultura” na escola indígena pataxó de Barra Velha. Em Carmésia, na Fazenda Guarani, Kanatyo Pataxó também desenvolvia um trabalho voltado para o desenvolvimento da língua (BOMFIM, 2012: 65). Não só nas escolas é que se via a preocupação na transmissão dos conhecimentos culturais e linguísticos do povo pataxó, em Cumuruxatiba, a índia Zabelê se esforçava para ensinar aos mais novos a língua, o que foi fundamental para sistematização do patxohã pelos professores indígenas das comunidades do sul da Bahia que criaram o “projeto de pesquisa e documentação da cultura e língua pataxó”, em que os vocábulos, após organização prévia dos atxohã eram submetidas à aprovação pelo concelho de caciques, que outorgavam a proliferação para os membros da comunidade.
Foi necessário, portanto, um intercâmbio de informações e sistematizações do conhecimento através da escrita, que deveria ser ensinada nas escolas indígenas para as futuras gerações e, assim, garantir novamente a fluência sobre uma língua nativa. Contudo, os atxohã, logo perceberam que este processo construtivo não daria conta de erigir a língua falada naquele período, seja pela perda significativa de palavras e expressões, seja pelo processo de contatos com outros povos que ensejaram novas demandas e, consequentemente, novas palavras.
Para entender a sistematização da língua patxohã, temos que evidenciar o trabalho feito por pesquisadores pataxó para uma revitalização da língua que já foi considerada perdida. Este processo parte coletivamente, entre os membros mais velhos e os novos pesquisadores da língua, em processos autónomos e complementares. Nesse passo, os atxohã são fundamentais ao movimento de reterritorialização de um povo que desejava retomar também sua língua.
Assim como no movimento filosófico antropofágico, o resgate linguístico pataxó parte de uma vontade coletiva de reafirmar seu orgulho e suas fronteiras, mas que aceita que o que lhe é próprio e o diferencia não necessariamente é relativo ao originalmente endêmico, mas das relações que são apropriadas pela comunidade e aceitas como pertencentes ao grupo. É dizer: em uma vertente de pensamento decolonial, uma língua é indígena porque surge de uma coletividade indígena. O patxohã é a língua pataxó porque foi moldada por essa etnia, sendo retomada e fortalecida.

Sessão de Pôster 2

Proposal for the inclusion of indigenous languages of the Brazilian Amazon basin as an integral part of the tangible and intangible heritage of humanity
Pierre Pica, Noam Chomsky, Valeria Chomsky

Language and language diversity fall within at least four criteria established for the preservation of tangible heritage as defined by the World Heritage Convention of 1972:
i. Each language or set of related languages represents a masterpiece of human creative genius and cultural significance.
ii. Individual languages or sets of related languages bear unique or at least exceptional testimony to cultural tradition and to existing or vanished civilizations.
iii. Sets of related languages are representative of a culture and of human interaction with the environment, a matter of special significance when the languages have become vulnerable under the impact of irreversible, externally imposed change.
iv. Sets of related languages are directly or tangibly associated with events or living traditions, with ideas and with beliefs, and with artistic and literary works of irreplaceable universal significance.
In addition, language and language diversity satisfy at least two of the criteria established for the preservation of intangible heritage as defined by the 2003 Convention:
i. Individual languages or sets of related languages represent the practices, representations, expressions, knowledge, and skills of communities, groups, or individuals.
ii. Each language or set of related languages represents a specific cultural heritage, transmitted from generation to generation and constantly recreated by communities and groups in response to their environment, their interaction with nature, their history, and their aspirations. They provide these communities with a sense of identity and continuity while also promoting respect for cultural diversity and human creativity.
In view of these considerations, we urge the UNESCO committee to take preliminary measures to prepare and ensure the submission of proper documentation for the inclusion of the indigenous languages of the Brazilian Amazon basin as an integral part of the tangible and intangible heritage of humanity.
We recommend that in much the same way as UNESCO recognizes the value of a particular city, it also recognizes the immense value of the languages of the Amazon, and of the variation observed among them across related and unrelated families of languages, as a core part of human existence and creativity.
We stress that recognition of these oral traditions is urgent and that, of course, literate tradition is a narrow part of human history.

Operações matemáticas na formação de numerais em Kadiwéu
Juliana Vignado

Este trabalho investiga as operações matemáticas contidas na interpretação semântica dos numerais da língua kadiwéu. Essa língua pertence a família Guaikurú, e é falada no sudoeste do Brasil no estado do Mato Grosso do Sul (SANDALO,2017) Ionin & Matushansky (2006) observaram que as operações semânticas mais comuns nas línguas naturais para a interpretação de numerais compostos são a adição e a multiplicação, embora existam línguas que também utilizam outras operações. Numerais envolvem operações matématicas em sua interpretação semântica, como por exemplo, adição e multiplicação, o que não é encontrado em outros subsistemas da linguagem humana.
Griffiths (1973) descreveu os numerais do kadiwéu. Para esse autor, os numerais de 1-3 variam em relação a afixos de gênero e afixos de posição. Contudo, Griffiths não considerou que o kadiwéu é uma língua de classificadores numerais. O que ele chama de afixos de posição são na verdade os classificadores da língua que também veiculam informações dêiticas. Essa é uma língua de classificadores de classificador numeral obrigatório e incorporado ao numeral (SANDALO & MICHELIOUDAKIS , 2016). Sandalo observa que o classificador não é obrigatório com numerais emprestados, para ela há duas gramáticas de contagem coexistindo na língua. Sandalo apresenta uma versão mais atual e uma segmentação morfológica mais detalhada sobre os numerais de 1-3. Em (1) são apresentados esses numerais na forma masculina com o classificador -ni-.
1) on-i-n:i-tekibeke ‘um’
um-masc-CL-separadamente
2) i-n:i-wa-ta:le ‘dois
masc-CL-pl-dois
3) i-n:i-wa-tadiGini ‘três’
masc-CL-pl-três
Sandalo (2017) observa que o morfema -wa- nos numerais dois e três é o morfema plural que ocorre em outros contextos. Os numerais de 4-10 não são marcados para gênero. Os exemplos de (4) – (7) apresentam os numerais de 5-7 e 10 , já o número 4 goatolo, 8 oito e 9 no:bi são empréstimos do português.
4) nigotino GobaGadi ‘cinco’
terminar nossa-mão
5) dibatiogi Gobagadi ‘seis’
dedo nossa-mão
6) itowataa-diba-tiogi GobaGadi ‘sete’
dois-dedo -Apl nossa-mãos
7) nigoti-ni GobaGatedi ‘dez’
terminar-plural nossas-mãos
Os numerais de 11-19 são formados a partir da combinação do numeral 10 com outros numerais via a palavra nGigo ‘vai mais’ em uma estrutura aditiva. O dado em (10) exemplifica essa estrutura com o numeral dezenove.
8) nigotino gobagatedi nGigo iniwataale
dez vai.mais dois
O numeral vinte é onokoticGo digo que significa literalmente uma pessoa acabou, i.e. os dedos das mãos e dos pés acabaram, por isso 20. Em diante, os numerais são formados a partir da base 20 em estruturas de multiplicação e soma. Em (9) é apresentado o o numeral 40 para exemplificar as estruturas multiplicativas, cada oko ‘pessoa’ vale 20 e é multiplicada por um numeral de 1-10, o plural tini é opcional e pode ser omitido na fala rápida.
9) oko itowata:le modigo (tini)
pessoa dois terminar plural
‘quarenta’
O kadiwéu também conta com numerais expressados via estruturas complexas,i.e. estruturas com adição e multiplicação, nesse caso a palavra nGigo ‘vai.mais’ é utilizada, ela carrega a semântica da operação de adição. O numeral 52 é apresentado em (10)
10) oko itowata:le modigo nGigo GobaGatedi nGigo iniwata:ale
pessoa dois terminar vai.mais mãos vai.mais dois
‘cinquenta e dois’
No numeral 52, há uma operação de multiplicação em oko itowata:le e então há uma operação de adição com as mãos GobaGatedi e com iniwata:ale.
Os dados mostram que o sistema numeral kadiwéu conta com as operações de adição e multiplicação na formação de numerais compostos. A estrutura aditiva é formada pela raiz oko ‘pessoa’ um numeral e palavra modigo ‘terminar’. Já a estrutura aditiva é formada por dois numerais ligados pela palavra nGigo ‘vai.mais’.

Estratégias de Nominalização na Língua Korúbo (Páno)
Shuanny Goncalves Ramires

A presente proposta consiste na descrição de algumas estratégias de nominalização na Língua Korúbo, falada por cerca de 150 pessoas (SILVA, 2017), que habitam a Terra Indígena do Vale do Javari, sudoeste amazônico e pertencem à família Linguística Páno. Abordamos aspectos dos vocábulos nominalizados pelos morfemas presos -kit e -te. Para chegar ao objetivo, busca-se a identificação, classificação e caracterização dos dados obtidos pelo projeto Documentação, Descrição e Análise da Língua Korubo (PROJETO 914BRZ4019 – EDITAL Nº 004/2017 – Contrato SA-2409/2017 – UNESCO/FUNAI/Museu do Índio), do qual esta pesquisa faz parte. Essa pesquisa contribui para o melhor conhecimento da língua Korúbo, para o maior entendimento da família Páno e para as pesquisas linguísticas sobre línguas indígenas, enriquecendo o conhecimento sobre as nominalizações nessas línguas.

1. INTRODUÇÃO
Os korubo vivem dentro dos limites da da Terra Indígena Vale do Javari, no extremo sudoeste do estado do Amazonas próxima à fronteira Brasil, Peru e Colômbia. Possuem níveis de contato diferente com a sociedade envolvente, são eles: isolados e de contado recente. Silva (2017) afirma que os contatos dos grupos hoje considerados de recente deram-se nos anos de 1996, 2014, 2015.
A língua Korúbo é classificada como pertencente ao ramo setentrional da família Páno. Um agrupamento genético proposto inicialmente por Raoul de la Grasserie (1890) e atualmente é composta por, aproximadamente 30 famílias, distribuídas em várias localidades entre o Brasil, nos estados do Amazonas, Acre e Rondônia; no Peru (Departamentos de Loreto, Huánuco, Madre de Dios e Ucayali) e na Bolívia (Departamentos de Loreto e Pando) (cf. Erikson, 1992, 242).
Esta proposta se colocou a investigar a nominalização por ser esse um processo muito recorrente nos dados que temos da língua korúbo. Apresenta uma identificação e caracterização inicial das estruturas do processo de nominalização na Língua Korúbo que busca apresentar as estratégias morfológicas utilizadas nesta língua. Todos os dados apresentados no trabalho pertencem ao projeto Documentação, Descrição e Análise da Língua Korúbo (PROJETO 914BRZ4019 – EDITAL Nº 004/2017 – Contrato SA-2409/2017 – UNESCO/FUNAI/Museu do Índio), no qual, esta proposta está vinculada.

2. METODOLOGIA

Para a realização dessa proposta, foram consideradas etapas previstas no projeto que buscam possibilitar os objetivos almejados. Foi realizada a audição de dados para um primeiro contato com a língua Korúbo. O contato inicial se deu pela escuta dos áudios do documento projeto Documentação, Descrição e Análise da Língua Korubo (PROJETO 914BRZ4019 – EDITAL Nº 004/2017 – Contrato SA-2409/2017 – UNESCO/FUNAI/Museu do Índio. Depois dessa etapa, com o objetivo de identificar os morfemas foram feitos os cortes de áudios a partir de orações elicitadas em trabalho de campo com o auxílio do programa praat, sendo separadas todos as as sentenças que continham os morfemas -kit e -te. Por fim, todos os dados foram organizados em tabelas são que depois foram utilizadas para alimentar o programa Fieldwork Languages Explorer – FLEX.

3. DESENVOLVIMENTO E RESULTADOS
Devido a sua alta ocorrência na língua Korubo, o morfema -kit ocorre em contextos sintáticos muito diversos e os elementos nominalizados também ocupam funções muito diversas e buscou-se caracterizar principalmente a que elemento as nominalizações se referem na oração e qual a estrutura dos elementos nominalizados. São elas:
A) Sujeito transitivo
B) Sujeito intransitivo
C) Verbo cópula
D) Objeto direto
F) Nominalização de adjetivo
G) Nominalização de verbos flexionados

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O morfema -kit ocorre em contextos sintáticos muito diversos e os elementos nominalizados também ocupam funções muito diversas, enquanto o morfema -te apresentam uma semântica interpretável como instrumento ou objeto de X”.

Um fenômeno de nasalização opcional em Yaathe, língua indígena brasileira
Crislaini da Silva Dias, Januacele da Costa

Neste trabalho, nosso objetivo é descrever e analisar fenômenos que envolvem um caso de nasalização opcional no Yaathe, língua indígena brasileira. Para isso, utilizamos dados de narrativas semiespontâneas que pertencem ao Projeto de Documentação da Língua Indígena Brasileira Yaathe (Fulni-ô), coletados entre 2011 e 2013. Muitas das nossas considerações sobre o Yaathe serão fundamentadas nas pesquisas realizadas por Silva (2016; 2011) e Cabral (2009) e, para a nasalização, sobretudo, nos basearemos nas descrições realizadas por Dias (2017) e Costa (1999). Para melhor explicar os fenômenos atestados, nos apoiamos na teoria Autossegmental proposta por Goldsmith (1976) e na Fonologia Prosódica de Nespor e Vogel (1986). Até então, para verificar a nasalização opcional, descrevemos os contextos e realizamos análise acústica no software PRAAT. Os resultados preliminares apontam tanto a existência de uma nasalidade progressiva, diferente da nasalidade mais sistemática da língua, que é regressiva, bem como que a aplicação da regra não é categórica. Nossa hipótese é de que a nasalização opcional, causada em morfemas de temporalidade simultânea [-ma], no Yaathe, possivelmente ocorre devido à fronteira de domínio fonológico, nesse caso, em fronteiras mais altas, como os sintagmas entoacionais.

Uma revisão sobre o uso dos classificadores na língua Terena (família Arawak)
Rogério Vicente Ferreira

O classificador verbal necessita, conforme Aikhenvald (2000), categorizar um nome que geralmente está em função de S (sujeito intransitivo) ou O (objeto direto) em termos de sua forma, consistência e animacidade. Com relação aos classificadores em geral nas línguas do mundo, Lyons (1983) afirma que a maioria das línguas que apresentam classificadores, além de classificadores cuja especificação semântica é usada para se fazer referência a tipos específicos de entidades (seres humanos, animais, plantas, objetos achatados, objetos arredondados etc.), também é possível serem encontrados classificadores gerais que podem ser empregados com referência a todo tipo de entidade. Em terena há classificadores, já apresentado por Butler e Ekdahl (1979) como qualificadores e revisto por Marcus (1991) como classificadores, contudo a pesquisadora manteve a mesma análise apresentada anteriormente por Butler e Ekdhal (idem). As pesquisas mais recentes confirmam a presença de classificadores na língua terena, contudo nada ainda estudado. Com isso, faremos uma abordagem dos classificadores que ocorrem em terena. Os dados obtidos divergem do que foi apresentado até o momento, neste trabalho demonstraremos que há uma confusão até então de morfemas que funcionam como incorporadores nominais e outros como classificadores, além de também de outros dados que demonstram estarmos diante “apenas” de palavras compostas, como é o caso ombépovo 1PS/osso.ombro “cravícula”, que fora analisado como classificador. A língua terena ainda possui muito a ser estudado, principalmente no que tange as questões morfológicas e sintáticas, aqui buscamos focar nas questões dos classificadores que são comuns nas línguas da família Aruak.

Nheengatu Dâw
Thomas Finbow

A região do Alto Rio Negro ficou renomada pela grande diversidade étnica e linguística e pela riqueza em fenômenos linguísticos e culturais decorrente das intensas e complexas interações entre os povos indígenas e com a sociedade nacional. Nesta apresentação destacaremos um cenário menos conhecido: a documentação e análise do Nheengatu falada pelos membros mais idosos da etnia Dâw (família Nadahup).
O Nheengatu, também conhecido como Língua Geral, pertence ao ramo Tupi-Guarani da família Tupi. As maiores populações de nheengatúfonos habitam atualmente as margens do Rio Negro, porém, a língua não é originária dessa região, chegando com a colonização europeia. Desde o século XVIII, o nheengatu é a língua franca do Rio Negro e substituiu várias línguas ancestrais como o Baré, da família Arawak. Hoje, o Nheengatu é a língua associada à identidade étnica Baré, contudo, é falado também pelos Baníwa do baixo Içana e pelos Warekéna do rio Xié. As variedades desses grupos foram investigadas no maior estudo da língua Nheengatu (Cruz 2011). Outros trabalhos focaram aspectos pontuais das variedades desses grupos Arawak, p. ex., Borges (1991, 1996), Barros, Borges Meira (1996), Cruz (2005, 2007), Freire (2004), Moore (2014), Moore, Facundes e Pires (1993), Taylor (1985), entre outros. No entanto, até o momento, pouco ou nada se sabe das variedades do Nheengatu faladas por dois grupos Nadahup, os Dâw e os Nadëb.
O contato Nheengatu-Dâw é de longa data, existente pelo menos desde o século XIX (Becerra, em Epps & Stenzel 2013, Koch-Grünberg 1906, Métraux 1963, Nimuendaju 1950). No século XX, desde pelo menos a década dos 1940, os Dâw trabalhavam no extrativismo, particularmente da piaçava e do cipó, nos afluentes meridionais do Rio Negro (Curicuriari, Marié e Teá), para patrões Baré ou brancos, com quem eles se comunicavam na língua franca regional (Assis 2007, Santos 2015,Storto, Epps et al. 2016). Entre os Dâw, o Nheengatu é falado de forma fluente ainda pelos membros da comunidade Waruá com aproximadamente 60 anos, que são trilíngues em Dâw, Nheengatu e português. A variedade está gravemente ameaçada, pois não está sendo transmitida. As gerações mais novas falam apenas Dâw e português. Nosso objetivo é de criar um acervo de material audiovisual para registrar o uso do Nheengatu entre os Dâw como documento histórico para a comunidade e para estudar as particularidades linguísticas dessa variedade no contexto de uma investigação maior da variação linguística no Nheengatu.
Os dados analisados em nossa investigação foram extraídos de narrativas pessoais gravadas com seis informantes da comunidade Waruá em julho de 2017 e em julho de 2018. Os fenômenos detectados entre o Nheengatu Dâw até o momento abrangem à fonética (apócope vocálica) para alinhá-la à estrutura silábica CVC do Dâw (Martins 1994, 2005), a morfologia (nivelamento de paradigmas número-pessoais) e a sintaxe (marcação posposicional do complemento direto). Em geral, parecem tratar-se de influências da língua Dâw sobre o Nheengatu do falante. Além disso, o estatuto de segunda língua entre os Dâw da língua Nheengatu pode ser instrutivo a respeito dos tipos de influência sobre uma língua franca, como a Língua Geral Amazônica, quando não é a primeira língua de uma comunidade.

Alfabetização dos alunos Apyãwa/Tapirapé na língua materna
Xario’i Carlos Tapirapé, Makato Tapirapé

A língua é considerada, atualmente, pelo povo Apyãwa, um aspecto fundamental de sua identificação enquanto povo indígena. Ela é falada em todas as comunidades. Todas as crianças aprendem primeiramente a língua Apyãwa. A conscientização para a manutenção da língua tem que ser fortalecido, e a língua Apyãwa, desde o início do processo de escolarização, passaram a ser objeto de estudo nas escolas.
O objetivo desse trabalho é mostrar a importância da alfabetização dos alunos Apyãwa/Tapirapé na sua própria língua materna como as crianças Apyãwa/Tapirapé são alfabetizadas na series iniciais. Pois quero mostrar a minha experiência de fortalecimento, na valorização e preservação da nossa própria escrita dentro da sala de aula.
Por isso mesmo, até o presente momento, a língua e a escrita Apyãwa/Tapirapé se mantenha fortemente e viva para que as crianças futuramente continuem com essa mesma mentalidade para que eles mesmos possam registrar vários conhecimentos do nosso próprio povo.
Para alfabetizar as crianças Apyãwa na sala de aula ocorre de várias maneiras com as figurinhas, desenho, onde apresenta uma fichinha de vários pronunciamentos das palavras com letramentos na Língua Apyãwa/Tapirape, por exemplo: Y: Yãra, Na: Naraxy.
Pretendo também, com o meu trabalho contribuir com a educação escolar em nossas aldeias, elaborando um livro didático para uso dos alunos e professores.
Com esse fortalecimento, na valorização e preservação da educação tradicional, a comunidade é incentivada a respeitar as formas de transmissão de conhecimento para as futuras gerações Apyãwa dentro da sala de aula.

O aconselhamento apyãwa (tapirapé) nos diversos contextos: das casas à escola indígena
Fabiola Mareromyo Tapirapé

A fonte deste trabalho é meu pai KAOREWYGI TAPIRAPÉ, de 80 anos de idade, um dos moradores mais velhos da aldeia tapirapé Tapi’itãwa da Terra Indígena Urubu Branco, no estado de Mato Grosso. Gostaria de investigar as diferentes modalidades de aconselhamento apyãwa, dos mais velhos aos mais novos – sejam crianças ou jovens. Por isso consultei meu pai que conhece dos detalhes dos conselhos apyãwa (tapirapé). Eu, Mareromyo Tapirapé, sou professora da escola indígena e também estou interessada nos conselhos que ocorrem no ambiente da escola. Os mais velhos têm a responsabilidade de aconselhar e participar da formação dos jovens, assim como ocorre entre os professores e alunos na escola. Pudemos constatar, através da pesquisa, que não distinguimos quando falamos na língua apyãwa essas diferentes modalidades de aconselhamento, sejam eles dados no interior das casas ou no espaço da escola. Por exemplo, dizemos –xamagetaãwa para aconselhamento nos mais diferentes espaços de interação. Contudo, observamos que existe uma diferença no significado dos conselhos dados no ambiente de casa, para as meninas e meninos, daqueles dados de modo mais geral na sala de aula. Eu me proponho, na apresentação deste trabalho, fornecer exemplos dos diferentes modos de conselho e seus espaços de interação.
Os conselhos dito para as meninas e meninos é dado desde muito antigamente e é um modo de valorizar nossas crianças ao ajuda-las a seguir algumas ideias. Por exemplo, o aconselhamento é dado para as meninas desde infância até que elas virem moças. As meninas recebem o seu aconselhamento dentro da sua própria casa, pela mãe, pai, avó, avô e outros parentes próximos para que futuramente elas possam ser mulheres trabalhadoras, ou seja, saber as atividades feitas pelas mulheres Apyãwa. Com isso, as meninas apyãwa vão sendo aconselhadas e a aprendizagem delas ocorrem da experiência das suas mães e avós dentro da própria casa dela. Na escola, os conselhos para as meninas e meninos (e moças e rapazes) são sobre a importância da aprendizagem da língua apyãwa (na forma escrita também) e de se aprender a língua do Maira (português) para o povo Apyãwa ficar mais forte. A formação dos jovens apyãwa ocorre nos dois espaços concomitantemente (casa e escola) e os conselhos marcam as diferentes fases da vida na aldeia.

Aprendizagem bilíngue no ensino da linguagem indígena com ênfase na língua Akwe-Xerente
Gustavo Kanokra Xerente, Paulo Fernando Sitmoru Xerente, Neila Nunes de Souza

A presente pesquisa tem por finalidade abordar as concepções da língua Akwẽ / Xerente, que é autodenominada pelos povos indígenas residentes nas aldeias do município de Tocantínia – TO. Temos como objetivo explanar a composição do alfabeto xerente e as características fonêmicas das letras. Apresentaremos a forma correta de leitura e escrita da língua Akwẽ / Xerente. A pesquisa tem como justificativa a grande relevância, pois segundo os anciões a nossa identidade é a língua Akwẽ e é a origem de que nos definem. A língua Xerente, pertence à família linguística Jê do tronco linguístico Macro-Jê e seus parentes linguísticos mais próximos são os Xavante, de Mato Grosso e os Xakriabá, de Minas Gerais. Sendo assim, é essencial o conhecimento da língua indígena, em específico do povo xerente, seno que somos um país plurilíngue mas não conhecemos a cultura e nem a língua do outro.

A organização social Xerente, de acordo com sua pintura corporal
Moises Wakuke Xerente, Mauricio Alves da Silva

A presente pesquisa pretende apresntar a organização social dos indigenas a partir da pintura corporal. Os Xerente são uma sociedade dualista. O grupo todo está dividido em duas metades exogâmicas e interdependentes, possuindo, cada uma delas, três clãs distintos. Todo indivíduo Xerente pertence, obrigatoriamente, a uma ou a outra Metade, e esta identificação é recebida hereditariamente, por parte do pai. Cada Metade possui as suas características peculiares que a distinguem da outra. Só basta saber-se que tipo de pintura o indivíduo usa no corpo, qual o seu nome próprio (no caso dos homens) ou ainda, como antigamente, em que lado da aldeia ele construiu a sua casa, para se saber a que Metade ele pertence.
A pintura corporal do povo xerente, são identificados por metade ser vista como os “os donos dos círculos” essa por conter umas series de bolinhos no corpo. Já a outra como “os donos das listras” por possuir vários risquinhos, horizontal e vertical, conforme qual clã pertence.

Experiências de resgate da língua e cultura Sakurabiat
Silvana da S. Cunha Guaratira (Sakurabiat), Carla Daniele Costa

O povo indígena Sakurabiat (Sakyrabiar, Sakyrabiá) vive tradicionalmente na região Norte do Brasil, no atual estado de Rondônia. A Terra Indígena Rio Mequens foi demarcada em 1996, e hoje tem quatro aldeias, mas o número de famílias não é muito grande, pois muitas pessoas faleceram por causa de epidemias de doenças e outros problemas. Durante muitos anos, a língua materna dos Sakurabiat não foi aprendida pelas crianças e jovens. Atualmente somente os idosos e alguns adultos com mais de 50 anos falam a língua materna do povo, cerca de 12 pessoas, o que a coloca em sério risco de desaparecer. A partir desse contexto, relataremos algumas ações de resgate da língua e cultura Sakurabiat, com base no processo de ensino da língua no contexto de educação escolar indígena. Foi principalmente a partir do ingresso de três jovens da etnia Sakurabiat no curso de formação de professores indígenas no nível de magistério – Projeto Açaí – realizado pela secretaria de educação do estado de Rondônia (SEDUC-RO), que iniciamos as ações de resgate da língua e cultura Sakurabiat no contexto educacional, tendo em vista a reflexão e tomada de consciência do valor das línguas indígenas, especialmente para os próprios povos indígenas. Uma das primeiras atividades foi a realização de duas festas na comunidade Baixa Verde, em que foram resgatados conhecimentos tradicionais de produção de comidas e bebidas, e seus respectivos nomes na língua indígena, além de algumas músicas e pinturas corporais. Ilustraremos nosso relato com exemplos de atividades sobre o ensino da língua materna, realizado por uma das autoras, a Professora Silvana Guaratira (Sakurabiat), na escola indígena Aipere Koopi, situada na Aldeia Baixa Verde. A experiência envolve atividades de ensino da língua materna dos Sakurabiat vinculadas a questões culturais, como contação de histórias na língua indígena e tradução para o português, sempre com auxílio de um falante fluente da língua. Outra atividade de resgate da língua e cultura feita na escola foi a confecção de um livro de receitas medicinais, realizado pelos alunos com auxílio do pai da professora, e que também é pai e avô de alunos da escola, e é falante fluente de Sakurabiat. Ele ensinou os diferentes tipos de ervas e seus benefícios, além dos nomes das plantas na língua Sakurabiat. Com esse relato, buscamos refletir sobre as motivações e desafios de resgate de língua e cultural tradicional, a partir da experiência Sakurabiat.

Sessão de Pôster 3

Projeto de preservación y documentación de la lengua karapana (tucano orientale) en una comunidade multilinguie del Vaupés, Colombia
Jhon Vargas Acosta

Este és un trabajo situado en la comunidad Karapana de San Antonio (rio Papurí, Colombia). En esta comunidad viven 23 familias, donde la mayoria son hablantes de la lengua karapana del clan ʉkomãhã (Gente Alívio). Las esposas de los hombres karapanas allá son en su mayor parte de la etnia Bará y Tatuyo. Así todos los niños hablan karapana (la lengua de sus papá) y la lengua Bará (la segunda lengua mais hablada en la comunidade). Todavía las personas hablan differentes lenguas.
En esta ponencia, yo hablaré sobre mi aprendizaje de la linguistica para los trabajos de documentación y preservacion de la lengua karapana hablada en mi comunidad. Los alumnos de la comunidad karapana de San Antonio a lo largo de su curso escolar no realizan y no tienen ningun conociemento sobre el manejo y la importancia de la gramatica de la lengua en la parte oral y escrita. Mientras la mayoria de las personas de la comunidade hablen karapana fluentemente, la lengua escrita no és enseñada en la escola de la comunidad.
Mi objetivo, como linguista karapana, és criar un recomendado de conservación del habla karapana oral y escrita para la comunidad. Así estes materiales pueden servir para la formación de los alumnos y otros profissionais de la lengua. Tras aprender las lenguas de nuestros padres y conservalas es pureza y orgullo para seguir adelante en este conocimiento.

Proposta de dicionário multimídia bilíngue Baniwa-Koripako
Artur Garcia Gonçalves

O presente trabalho tem como objetivo descrever os passos que estão sendo desenvolvidos para elaboração de um dicionário multimídia da língua Baniwa-Koripako com traduções para o português e espanhol. A língua chamada Baniwa-Koripako é também conhecida por Baniwa do Içana, Curripaco ou simplesmente Baniwa. O termo “Baniwa”, deve-se enfatizar, não se trata de uma auto-designação, mas sim um nome genérico usado por esses indígenas quando se fazem representar em contextos multiétnicos ou diante do mundo não indígena. A roda de conversa torna-se bastante fundamental uma vez que podemos dialogar com outros pesquisadores indígenas sobre a experiência de materiais didáticos na documentação e revitalização de suas línguas, trocando experiências e auxiliando outros pesquisadores que se interessam por essa proposta. O projeto se desenvolveu junto a comunidades indígenas do rio Iniali (Içana), Terra Indígena do Alto Rio Negro, Amazonas. A pesquisa compreendeu diversos estágios nos quais podemos elencar: leituras relacionadas a estudos lexicográficos e sobre o povo e língua, inserções e revisões de entradas lexicais, classificação dos léxicos, revisão dos exemplos que estão contidos nos léxicos, inserção de imagens, etc. A pesquisa lexicográfica propõe como resultado um dicionário multilíngue e multimídia com cerca de 1000 palavras nos três principais dialetos da língua Baniwa-Koripako, com traduções adicionais ao português e espanhol. Alguns itens do dicionário, no mínimo 600 itens, serão ainda objeto de informações enciclopédicas sobre seu significado conforme aspectos culturais atribuídos a esses itens pelos falantes de Baniwa e Koripako. Além disso, o projeto vai gerar outros tipos de dados, tais como: Descrição linguística: análises lexicográficas, fonológicas, ortográficas e morfológicas, comparação das variedades da língua Baniwa-Koripako, análise de dados previamente coletados e produção de novos dados e documentação linguística e cultural, com áudio, vídeo e anotações básicas, sobretudo, de itens relativos aos conteúdos enciclopédicos do dicionário.

Yayumbué Linguística, yapuderi arama ti yaxári upawa nheengatu nheenga/Formação Linguística: “Uma estratégia para manter a Língua Nheengatu Viva
Edilson Martins Melgueiro

O objetivo deste trabalho é apresentar resultado de uma experiência intitulada “Yayumbué Linguística, yapuderi arama ti yaxári upáwa Nheengatu Nheenga” . Formação Linguística: “Uma estratégia para manter a Língua Nheengatu Viva”. Pretende-se mostrar como está sendo feito o fortalecimento da língua Nheengatu do rio Negro de ação conjunta no planejamento e gestão para fortalecer a língua/guem e que a mesma não desapareça, pois, apesar dos falantes dessa língua estejam em torno de 6000 pessoas hoje, a cada ano o número de falantes está se reduzindo. Inicialmente, falaremos sobre situação das Línguas Indígenas Brasileira e a situação sociolinguístico do Nheengatu do rio Negro pesquisas. Um breve histórico do Instituto federal do Amazonas-Campus São Gabriel da Cachoeira. Em seguida, abordaremos teorias de Política e Planejamento e Gestão de Línguas que são pontos fundamentais na construção desse trabalho. Finalizamos com foco na formação dos falantes indígenas não somente os professores mais as pessoas interessadas que ocupam várias funções na comunidade dos falantes. Essa inciativa é muito importante, pois compromete todos para fortalecer a língua, não somente professores, além das discussões sobre a fala e escrita na língua nheengatu.

KUNTARI SÁ KWAIRANTU:
Iké yayuí yambeu mayeta yaminhã yaiku, yapuderi arama ti yaxári upawa Nheengatu Nheenga paraná pixuna upé. Kwá muraki yaminhá waá yepesaú kuntari sara ta irumu. Uyí aikwé 6000 miraita usendua waita Nheegantu, má muíri akayú usasá siia piri yamaã uxari waita uiku ukuntari nheengatu. Yakuntari arama sesé wara, yasú kuri yayuripru yambeú nheenga ta resewara iké brasil upé, asui kuri yasu yambeu mayeta nheegatnu uiku paraná pixuna upé. Asui kuri yasú yakuntari mayé yapuderi yaminhã yamukaturu, yambaka arama nheenga ta, tiarã ta pawa. Upawa sá kití yasú yambeu mayeta yambué yaikú ukuntari maitá nheengatu, ti sa mã umbuesara ta yunté , iké mamé yayumbué waá aikú siía umbuesaraita, aikwé ti ta yuíri umbuesara. Yawé ramē yamã ke yambaka , yamukaturu, yakuntari arama yané nheenga, yandé ti yapuderi yapuraki yané pesua.

Não Sou Indio, Sou Guarani
Reinaldo de Jesus Cunha

Este trabalho “escrito na casca da arvore”. É o resultado do apanhado sobre o lugar de fala indígena dentro do universo guarani em contraposição a Juruá, colonizador branco. O Tema: “Não sou índio, Sou Guarani”, foi pautado após entrevista com o Pajé/Cacique ( acende fogo) de nome ( branco ) Augustinho da Silva, (99), que na oportunidade da participação da Assembleia Ordinária do CEDIND/Conselho Estadual dos Direitos Indígenas RJ, em Paraty, (27/06/19) nos concedeu gentilmente uma entrevista, onde teceu comentários falando da natureza viva e do universo cosmológico/guarani; A relação com os parentes indígenas guaranis; A dificuldade da Livre Circulação do Povo Guarani e animais” no território de Juruá. O texto também faz uma reflexão de mundos opostos: O de Nhanderú, que não delimita cerca e permite a livre circulação de homens e animais no universo de Juruá. E do território de Juruá com suas cercas e arames farpados, para impedir a livre circulaçao de homens e animais, nesta vastidão de terras e florestas. E os que ousam pular a cerca sem aviso prévio, serem mortos sumariamente inclusive com apoo estatal. Recente, com a eleição do Presidente Jair Bolsonaro: Os “Proprietários de Terra e Grileiros”, tem intendificado o desmatamento em terras indigenas. A fala do presidente, tem dado ressôncia, uma espécie de salvo conduto e livre arbítrio, para matar e exterminar todos os seres vivos: ai incluindo homens e animais da floresta. Nesse trabalho trazemos também: A narrativa do Pajé/Cacique Miguel Karai Tataxi, (119); A sua luta pela paz e convivência pacifica com Juruá em uma “Terra Sem Lei”. Além de um resumo dos principais problemas nas aldeias guaranis do Estado do Rio de Janeiro. Além da reflexão do Lançamento do Protocolo de Consulta Prévia Tekoa Itaxi Mirim, no Centro Cultural de Paraty, com a presença dos guaranis e autoridades públicas, onde foi elaborado o Protocolo de Consulta Prévia, a ser respeitado por Juruá e representantes da administração pública. E por último: Um Resumo Conclusivo da militância no CEDIND (Conselho Estadual dos Direitos Indígenas); A participação nas Assembleias Ordinárias e/ou Extraordinária realizadas tanto no contexto urbano na Cidade do Rio de Janeiro, bem como: nas Aldeias em reuniões descentralizadas.Usaremos com fontes de pesquisa: entrevistas, relatos de reuniões, material de pesquisa bibliográficas em livros, site, redes sociais, blogs, palestras, seminários, cursos de extensão sobre questões indígenas e outros.

Dialetologia; comparação e mostra de fala de duas comunidades Tikuna-Feijoal e Belém do Solimões
Osias Guedes Alberto

Este artigo é um resumo do meu Trabalho de Conclusão do Curso-TCC que foi apresentado na Universidade do Estado do Amazonas-UEA, Centro de Estudos Superiores de Tabatinga-CESTB, 2016-2017. Nesta pesquisa, propomos um estudo de comparação e mostra de fala abrangente no interior da língua Tikuna. O tema proposto relaciona-se à variação dialetal em Tikuna, que já foi estudado por alguns (linguistas pesquisadores) como Angarita-Watchãücü (2005) e Montes-Rodríguez (2004-2005) na Colômbia. Este estudo, na área de sociolinguística, mostra-nos como a língua indígena Tikuna também adota algumas variações em cada comunidade. Essas variedades pesquisadas são de níveis Fonético-Fonológico e Morfológico, e se apresentam na fala de jovens e adultos usuários da mesma língua. O principal objetivo desta pesquisa era detectar e caracterizar a diversidade de fala a partir da comparação e mostra de fala de moradores das duas aldeias escolhidas como campo de investigação. Como a metodologia deste trabalho, primeiramente, conheceu-se as estruturas das comunidades por meio de carta de permissão ao cacique da comunidade e as suas lideranças. Na coleta de dados, foram utilizadas imagens selecionadas e questionários, um sociolinguístico e um linguístico. O trabalho contou com 12 participantes nas entrevistas, 06 pessoas por comunidade de faixa etária diferente. O resultado obtido nesta investigação foi alcançado por meio de análise de fala individual de membros de uma mesma família, onde se observou fatores de ordem, como também espacial (geolinguística), que foram coletados por meio de usos de palavras e imagens selecionadas na metodologia desta pesquisa.

Fortalecimento da língua Terena
David Henrique da Silva Pereira, Faustino Lipu Pereira

O presente projeto, vem para fortalecer o uso do idioma da língua indígena do povo Terena entre jovens e crianças, através do projeto KALIVONO KOMOHITI, do interior de São Paulo, na Aldeia INDÍGENA Ekerua, localizada no município de Avaí-SP. A presente iniciativa busca envolver jovens e crianças da aldeia, nas atividades de intercâmbio com alunos de outras escolas da região, de maneira que a mesma possa vivenciar como a sua cultura e importante para sua identidade como um Indígena da etnia terena. Assim o uso e o domínio da língua e essencial para participar deste projeto, nesse sentido os mesmos vem apresentando uma realidade no uso do idioma que não se via até então.
A comunidade vem acompanhado e reconhecendo que o projeto tem contribuído cada vez mais para esse fortalecimento.
Assim o objetivo e levar uma experiência que vem dando resultado aos parentes de outras aldeias bem como buscar novas possibilidades de ensino.
Sou professor coordenador indígena da Aldeia Ekerua, pertenço a etnia terena.

“Falamos Tupi Mondé”: levantamento de estudos linguísticos a cerca da língua falada pelos Paiter Suruí de Rondônia
Beatriz Raposo de Medeiros, Naraykopega Suruí, A. Metareilá, Claudia Wanderley

A língua Suruí, ou Tupi-Mondé – o segundo termo sendo mais comum para denominar a língua materna do povo Paiter por si mesmos – tem pelo menos três assuntos instigantes a serem tratados, seja como língua materna, seja como uma segunda língua a ser aprendida por pesquisadores. O primeiro tópico está relacionado ao nível fonético-fonológico: seria uma língua tonal? E qual papel dos ideofones? O segundo, fica entre a fonética e sistemas sonoros: Houve ou ainda há o uso de uma língua assoviada? E o terceiro reside na fronteira entre a fonética e a escrita: Quais as relações grafema-fonemas e como isso pode contribuir para o letramento na língua materna?
Para chegar-se a respostas que de fato contribuam com estudos linguísticos para usuários da língua, aprendizes e linguistas, propusemos um levantamento bibliográfico. Isso só foi possível propor no âmbito da cooperação entre o povo Paiter Suruí e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nesta cooperação a visão dos pesquisadores não Paiter dialoga com a visão dos conhecedores Paiter. Esses últimos, por sua vez, têm-se voltado intensamente para o ensino-aprendizagem da língua materna. Mais recentemente, com o desenvolvimento da cooperação, temos travado diálogos para aprofundar o conhecimento sobre a língua como sistema. A professora Claudia Wanderley compilou, em pastas digitais nomeadas por ano, cerca de 60 trabalhos referentes a línguas Tupi-Mondé, bem como a assuntos que não podem ser classificados como linguísticos, mas como culturais. Ao todo, foram encontrados trabalhos (a maioria a ser classificada e contabilizada) relativos a linguagem ou mais exatamente linguísticos, datados desde 1974 ( por exemplo, Bontkes, 1974, 1978) até 2018 (Yvinec, 2018). Em todas as áreas da linguística há alguma produção bibliográfica sobre a língua Suruí, ou sobre suas línguas irmãs, como é o caso do Gavião. Assim, por enquanto, mapeamos cerca de 60 publicações, entre elas algumas em língua materna. Para apresentação deste trabalho, selecionaremos publicações de cada área e lançaremos luz aos fenômenos fonéticos já mencionados, bem como sua relação com a escrita. Além de organizar os estudos propiciando seu estado da arte, estamos criando um espaço de interlocução e investigação entre diferentes visões de estudo e pesquisa sobre a linguagem.
Na cooperação Povo Paiter e Unicamp, a base epistemológica requerida pelos estudiosos não-indígenas é a da horizontalidade. Busca-se o intercâmbio de conhecimento com o povo originário e, portanto, reconhecer os seus movimentos de auto-afirmação. Outra parte do projeto, ainda não iniciada, será abordar as noções da língua, escuta dessa língua e sua produção (ou seu fazer) o que alavancará uma organização do saber sobre as atividades linguística dos Paiter. A finalidade disso é que os próprios Paiter indiquem o que fazer com essa organização, avaliando como positiva ou não para resolver as questões linguísticas de sua cultura.

Os Kiriri dos “Sertões” da Bahia: discutindo documentação, revitalização e políticas linguísticas
Pedro Daniel dos Santos Souza, Élvia Martins Falcão Souza, Fernanda Lima Almeida, Jardel Jesus Santos Rodrigues

Até meados do século XVIII, a América portuguesa caracterizava-se por um multilinguismo generalizado (MATTOS E SILVA, 2004), sendo o português uma das diversas línguas faladas e por uma minoria da população. A política linguística implementada pelo Marquês de Pombal, por meio do Diretório dos índios, que determinava o uso da língua portuguesa entre as populações indígenas e a proibição das línguas próprias dos diversos grupos etnolinguísticos e da(s) língua(s) geral(is), desempenhou um papel fundamental para os glotocídios linguísticos testemunhados a partir da segunda metade dos Setecentos. Embora não tivesse conseguido lograr a êxito esperado, essa política e outras variáveis sócio-históricas, como as sucessivas distribuições demográfico-linguísticas, contribuíram para que o multilinguismo se localizasse e o português se tornasse hegemônico. Em função do propalado monolinguismo do Brasil, os silenciamentos da diversidade linguística, sobretudo em relação às línguas indígenas, serviram ao projeto nacionalista de “um só povo, uma só língua, uma só nação”, marginalizando o caráter plurilíngue que sempre caracterizou o nosso país. Na contemporaneidade, em oposição às políticas homogeneizadoras, que, inclusive, encerraram a possibilidade de o Brasil vir a ter uma base linguística indígena e foram, portanto, fundamentais para as reconfigurações sociolinguísticas desse território, as políticas de preservação e de revitalização de línguas indígenas, até mesmo aquelas que envolvem uma prática de retomada para as situações em que se promoveu por completo a substituição da língua indígena pela língua portuguesa, trazem à cena o reconhecimento do multilinguismo brasileiro e a necessidade de uma luta engajada contra as práticas de homogeneização linguística que, consequentemente, se fundam em desparecimento de línguas e modos de viver. Nos “sertões” da Bahia, o povo Kiriri, falante da língua Kipeá, por meio de um processo de substituição linguística, deixou de falar sua língua e, progressivamente, adotou o português como língua materna, passando a fazer parte das estatísticas dos glotocídios que marcaram os três séculos iniciais de nossa história. Fundamentando-se na perspectiva de uma Antropologia Linguística e numa reflexão sobre a realidade linguística dos Kiriri, a Ação Curricular em Comunidade e Sociedade (ACCS) – Educação Diferenciada e Revitalização de Línguas Indígenas, ofertada na Universidade Federal da Bahia (UFBA), nos semestres 2017.2 e 2018.1, buscou discutir sobre os processos de enfraquecimento do uso das línguas indígenas por seus falantes nativos e sua substituição progressiva pelas línguas nacionais dominantes, dando ênfase às implicações sociopolíticas globais e linguísticas que estão envolvidas nesse processo. No presente trabalho, objetivamos apresentar um relato das experiências da ACCS na formação dos sujeitos que deverão estar envolvidos na elaboração e definição das políticas linguísticas para os Kiriri, caracterizadas pela premente necessidade de realização de um projeto de documentação linguística que sirva de base para revitalização da língua indígena desejada e demanda pela comunidade. Como uma atividade da referida ACCS e em atendimento à demanda dos Kiriri, promovemos oficinas de formação dos professores indígenas, das lideranças e de demais membros da comunidade interessados no processo de revitalização da língua indígena, tomando a escola como ponto de partida das ações a serem executadas. As referidas oficinas, que versaram sobre temas como variação e mudança, documentação e políticas linguísticas, história do povo Kiriri e de sua língua, oralidade e sistemas de escrita, abriram caminhos para uma reflexão sistemática sobre a necessidade de um trabalho de documentação da língua indígena Kiriri, ainda na memória dos mais velhos e alguns poucos professores que atuam nas escolas do Território Indígena Kiriri, localizado município de Banzaê, Bahia.

Podcasting Macunaíma: pluralidade da linguagem indígena na cultura brasileira
Luan Correia Cunha Santos, Lisiane Machado Aguiar

Uma das características que configuram o livro de “Macunaíma: herói sem caráter” de Mário de Andrade é toda a base etnográfica que lhe antecedeu. A rapsódia é baseada nos saberes de diversos povos indígenas do Brasil, e utiliza em sua “desgeografização” mística, uma mistura de várias delas para explicar fatos do cotidiano brasileiro (MELO, 2010). Este trabalho apoia-se em um estudo de como a rapsódia, e todos os seus contextos e simbolismo culturais, tem sido atualizada para a linguagem sonora a partir do processe de adaptação da obra para um podcast. Este sendo uma tecnologia que tem demonstrado grande ascensão atualmente no ciberespaço, especialmente por possibilitar que sujeitos que anteriormente não tinham acesso aos meios de comunicação consigam produzir conteúdo e pautar suas narrativas com base em suas vivências. O podcast tem se consolidado como um espaço de pluralidade de narrativas (YOSHIMOTO, 2014). Diante disso, o processo de adaptar a obra de Mário de Andrade amplia os alcances do livro, democratiza seu acesso, inclusive para pessoas com deficiência ou que não sabem ler, e propaga, de forma oral, saberes de diversas comunidades indígenas do Brasil à partir da internet. Nosso trabalho tem como base os estudos sobre os signos linguísticos presentes em Macunaíma, nos traços e heranças culturais de diversos povos indígenas apresentados na narrativa, mas mantém um enfoque em discutir os processos de adaptação dessa diversidade multicultural e diversa para uma mídia híbrida como um elemento para preservação e propagação da diversidade brasileira. Durante a adaptação da obra literária para o podcast contamos com a colaboração de alunos indígenas. Essa experiência linguística possibilitou uma crítica à estética da linguagem sonora e a problematização do podcast na constituição de subjetividades antropofágicas.

Esenumenkanto pata’se: Valorização da Língua Macuxi pelo Teatro
Ananda Machado

Compartilhamos aqui reflexão resultante de nossa experiência de trabalho em Roraima com os Macuxi, dado que, essa é uma das mais de 20 etnias indígenas em Roraima: Wai Wai (Hixicariana, Mawayana, Xeréu, Katuwena, Karafaiana), Pauixana, Sapará, Macuxi, Patamona, Taurepang, Waimiri Atroari, Ingarikó, Ye’kwana; Wapichana (Atoraiu, Taruma), Yanomami (Sanuma, Yanomae, Yanomama e Ninan), de três famílias linguísticas: Karib, Aruak e Yanomami. Com os Macuxi traduzimos a palavra teatro que, segundo eles, não existia em seu vocabulário, porque ninguém a tinha criado ainda. Assim, depois de algumas discussões, decidimos chamar esenumenkanto pata’se ‘lugar de assistir algo’. Na língua Wapichana escolheram tamapykary ‘repetição’. Para traduzir a ideia de dramaturgia, os Macuxi usaram Erenkato’moropai ikuto’ ‘texto para virar ação’ e os Wapichana saadakary aimeakan xa’apkau kawan at ‘escrito de acordo com a ação/história ou acontecimentos’. Podemos observar que cada povo, de acordo com sua cultura e interpretação/vivência, escolheu um nome diferente, ressignificando assim as ideias de teatro e de dramaturgia. Este texto pretende inaugurar uma reflexão sobre os processos de criação cênica e dramatúrgica vivenciados a partir de narrativas orais Macuxi. Não obstante, falaremos ainda um pouco, aqui, da continuidade do trabalho desenvolvido desde 2009, também, com os Wapichana. Discutiremos as relações entre narrativas orais, escritas, performance, teatro, poética e memória, destacando a relevância do teatro como linguagem capaz de contribuir no exercício do ato narrativo nas línguas indígenas entre esses povos e no ensino/aprendizagem de suas línguas e culturas. Assim como toda dramaturgia pretende sair do papel e virar cena, “o desejo da voz viva habita toda poesia, exilada na escrita. O poeta é voz […]” (ZUMTHOR, 1997, p.168). Comparando o texto poético ao dramático e substituindo poeta por ator, que em nossa visão, mesmo quando interpreta outros gêneros narrativos, exala poesia, nos apropriamos das ideias trabalhadas por Zumthor em relação à poesia e performance, para pensar a relação da dramaturgia com a ação cênica. “Toda poesia aspira a se fazer voz; a se fazer, um dia, ouvir: a capturar o individual incomunicável, numa identificação da mensagem na situação que a engendra, de sorte que ela cumpra um papel estimulador, como um apelo à ação” (ZUMTHOR, 1997, p.169). O movimento de buscar narrativas para encenação funcionou também como estratégia para coletar, documentar, refletir e trabalhar o exercício da oralidade e da escrita nas línguas Macuxi e Wapichana. A partir dessas experiências problematizamos questões como uso das línguas Macuxi e Wapichana, preservação da circulação de suas narrativas orais e sua função política, assim como discutimos sobre as apresentações culturais e relações interculturais. Graça Graúna, escritora indígena Potiguara, escreveu que “a releitura vinda da oralidade e transfigurada na escrita se transforma em escrivivência, no sentido de que estão vivas (em mim) a poesia, a história e a memória dos antigos”. Nas oficinas de teatro, muito da memória e da experiência fez parte das cenas. Aqui, focaremos o processo de trabalho desenvolvido na “oficina de teatro como metodologia de ensino de línguas indígenas”, ocorrido no primeiro semestre de 2017, pela Extensão da UFRR, com a turma de nível avançado de alunos/professores Macuxi e Wapichana juntos. As aulas aconteceram durante dez sábados, das 8 às 12 horas, completando 40 horas de oficina de teatro com falantes dessas línguas, no Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena (Universidade Federal de Roraima- UFRR). Em primeiro lugar, exercitamos as práticas de contar e ouvir histórias (normalmente quem narrava eram os mais velhos da turma: Valdivino Ramos, Adélia Ramos e Lenice Raposo). Selecionamos, para dramatizar, narrativas que contivessem conflitos, que fossem engraçadas ou que desejassem divulgar pelo teatro.